O último apaga a luz

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“Não se afobe não, que nada é pra já”… As noites nas ruas desertas dos bairros ditos boêmios parecem cidades fantasmas. Ventos uivantes varrem as calçadas vazias rodopiando lixos e papéis do dia que passou. A cidade transmite medo e escuridão. Ninguém sai às ruas. Foi dado o toque de recolher, decreto do então governador Borges Rato e do prefeito Feliciano, diz o outdoor das ruas, com suas caras de Grande Irmão. Inúmeras placas nas fachadas de extintos comércios de aluga-se e passa-se o ponto cheio de teias de aranha. Câmeras dos condomínios gravam alguns zumbis, oriundos da Cracolândia, que dormem de olhos abertos na porta de antigos comércios falidos, graças à supervalorização irreal dos imóveis, a especulação imobiliária, as imobiliárias e seus aluguéis absurdos, leis secas extremamente rigorosas, arrastões de saqueadores por todos os lados, polícias escassas quando não corruptas inviabilizaram essas ruas que um dia abrilhantaram as noites de vida e alegria.

“Sábios em vão tentarão decifrar… vestígios de estranha civilização”. O que restou das velhas mercearias, as pequenas farmácias com o nome do dono e seus amáveis farmacêuticos, verdadeiros doutores da consulta de graça, antigos bares e restaurantes e seus sabores individuais, seus quitutes, petiscos diferenciados, o chope gelado, mesas cheias de gente com cada um contando o seu dia, já dizia Vinícius que nunca viu uma amizade nascer numa leiteria, isto é próprio do bar e sua magia. Mas agora, tudo isso está submerso na poeira do tempo. Tornaram-se filiais de imensas redes de drogarias e da gastronomia pasteurizada. Drogazis, Mac Donalds, Vienas, Ienas Black etc. e tal, condomínios fechados saboreiam seus deliverys plastificados, shopping centers e outros iguais são o que sobreviverá. Nunca mais calçadas festivas e alegres, nunca mais os encontros afáveis e papos pro ar, nem a cumplicidade de um balcão. Boêmios com a cara dos meus amigos agora partem com seus embornais, feito forasteiros para a casa da mãe no interior. A noite brocha e se encerra, guarda a lua no seu colete negro e fecha sua cortina azul de estrelas cor de prata e se despede sem nenhuma salva de palmas.

Antes de a rede parar de balançar, acordo assustado com baba no ombro e o Chico continua cantando na caixa pra eu não me afobar, que “Amores serão sempre amáveis, futuros amantes, quiçá se amarão’’…

pedrocosta.pira@uol.com.br

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