As ruas ficam mais calmas conforme as pessoas terminam de almoçar. Os taxistas nos carros se abaixam um pouco e se acomodam em seus acentos. O palito do piloto estaciona num canto da boca e os olhos vão lentamente abaixando seus faróis. Os pardais pousam sonolentos sobre os fios dos postes. Nesta hora os pombos depois de ciscarem tudo das calçadas repousam sobre os telhados e nos muros de terrenos baldios. É a hora da “siesta”, o cochilo, o soninho de quem pode, depois do almoço. Quem passa pelas ruas vai assistindo os balconistas bocejarem atrás das vitrines. Nos ônibus quem está sentado trafega cochilando, seguem rua abaixo de boca aberta e olhos fechados. Assim também são todos os mamíferos da face da terra depois do almoço. Conheço gente que trabalha perto de sua casa , que volta, almoça e veste até pijama para dormir a sua hora de sono sagrado e retorna depois para trabalhar. Aqui na praça do fórum, sem querer dedar e dedando, enche de micro ônibus da prefeitura que sai de circulação nesta hora e para. Tem uns até com rede improvisada dentro.
Todo jacaré que se preza, depois do rango, fica ali imóvel na margem do rio, estirado, entregue aos “braços de Morfeu”! (embora, na mitologia ,o verdadeiro Deus do Sono, é Hipnos, seu pai, e não Morfeu). Mas o que nos interessa mesmo depois do almoço, é saber como e onde tirar nossa soneca fazendo a digestão enquanto passeamos imóveis pelos caminhos dos sonhos.
Na Vila ainda, graças a seus ares provincianos, é possível encontrar boteco, mas boteco mesmo, aquele que tem no balcão uma forminha de salsichas com molho na vitrine meio rachada, outra com ovo cor-de-rosa, outra com torresmo peludo e coxinha, uns petiscos que você nunca sabe se é um quibe ou um ovo cheio de mosca. Em cima uns potes de maria-mole e paçoca e um português mal humorado no caixa, na prateleira cachaças e rabo de galo de um real e cigarro sortido. Um cachorro manco na porta se coçando irritado com as pulgas, um gato dormindo no pé do balcão e no canto alguém fazendo uma fezinha no bicho. E foi justamente um destes botecos que pregou o maior susto na moçada que almoçava no balcão. E que susto!!! Acabou com a fome e a paz do almoço.
Já vi também muita coisa estranha e “menus” esquisitos na hora do almoço pela Vila Madalena. Desde bife dentro de feijoada à “escargot ao leito de nata de abobrinha com casca de avelã da Noruega”. Há quem coma. Coma; dizia a letra de um samba famoso na década de 60 “Neste mundo tem bobo pra tudo” de Manoel Brigadeiro e João Correia da Silva… Naquela época… Chega de conversa de boteco, vamos ao que interessa catzo! Pois bem, boteco cheio, todos sentados no balcão almoçando, a chapa cheia de cebola, bife ou frango, saladinha no prato, pimenta, arroz e feijão saindo rápido, alguns do lado de fora na cerveja enquanto não vaga um banco no balcão. Chaminé da chapa em polvorosa soltava fumaça sem dó pela esquina. De pé: eu, Juarez, Toninho, Isaías e seu inseparável boné branco, Luizão e Seu Nardo, cerveja com Genebra, piada com causo, amigos que se foram e dá-lhe conversa.
De repente, não mais que de repente, a ratazana, isto mesmo, uma ratazana, caiu pela chaminé em cima da chapa quente: TIZZZZZZZZZ, patas queimando, olhos arregalados, dela e nosso. Neguinho caindo e jogando prato cheio para tudo que é lado, mulher gritando, malandro fugindo… Num salto de quatro patas queimadas, imagino, alcança o balcão, patina no pratinho de salada, refresca-se no vinagre, seca no olhar todo mundo de novo, salta na rua e desaparece pelos bueiros rumo ao repouso do lar, do qual jamais deveria ter saído, se não fosse a fome na hora do almoço e outros bichos mais.