Valter Silvério|A diversidade faz bem

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Valter Silvério

A diversidade étnica e racial faz do Brasil um país com muitas influências, seja na música, na comida e na cultura. Desde a descoberta do país pelos portugueses, o processo de mistura racial acontece entre nós e continua acontecendo, felizmente. Primeiro, os índios entraram em contato com os europeus – representado principalmente pelos portugueses. Posteriormente, os africanos que chegaram trazidos na condição de escravos, de triste lembrança. Outras etnias – asiáticos, árabes e outras mais – foram, com o passar dos anos, chegando e se instalando em nosso solo e proporcionando uma maior miscigenação racial e cultural. Para abordar esse tema, entrevistamos Valter Silvério, professor doutor de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e consultor da Unesco para diversidade étnico racial. Ele estuda o tema há mais de duas décadas e também é morador do bairro. Nossa conversa aconteceu a poucos dias da abertura da Copa do Mundo da África do Sul, na livraria Ponto do Livro Café e Arte, que acaba de ser inaugurada. O professor Valter trata tanto da questão racial no Brasil como de outros temas, inclusive sobre a África do Sul, país que ele visitou em 2006 e que terá a partir deste mês todas as atenções do mundo por conta do futebol.

O que a diversidade étnica e cultural representa para um país como o Brasil?
Acho que quando ela é trabalhada educacionalmente, a gente aprende a respeitar e reconhecer no outro, na sua diferença cultural, o mesmo. É isso que a gente ainda tem de aprender por aqui. Temos aqui no Brasil 240 povos indígenas, alguns deles são trilíngues e não falam português. Temos identificados mais de 3 mil núcleos de populações quilombolas. Essas populações nativas e tradicionais são nichos culturais muito distintos do que imaginamos e fazem parte da população brasileira.

E o que o país precisa fazer para mudar e melhorar essa situação?
Temos de preparar crianças, jovens e adultos para que tenham um olhar não preconceituoso para aquilo que é diferente. Infelizmente, no Brasil utilizamos por muito tempo uma política de apagamento dessa diversidade cultural. Eu sou daqueles que pensam que, ao conviver e reconhecer essa diversidade, a gente fica melhor como ser humano.

O negro, no Brasil, está muito presente nas artes, no futebol, mas, por outro lado, raramente na política, no comando de grandes empresas… Por quê?
As ações afirmativas vão incidir exatamente nesse quadro. A elite brasileira hoje é eminentemente branca e masculina. Começamos a observar o surgimento de mulheres dentro dessa elite e em um curto espaço de tempo iremos observar homens e mulheres negras compondo essa elite.

O racismo no Brasil é semelhante ao de outros países?
Fundamentalmente, o tipo de racismo que existe no Brasil é diferente.

Explique melhor.
Acho que o racismo no Brasil é uma junção de desconhecimento cultural que temos exatamente sobre a pluralidade de formas de ser brasileiro misturada com uma educação europeia, sendo que no setor privado ela é de boa qualidade e no setor público, de muito má qualidade. Então isso faz com que as elites tenham um olhar muito europeu. E creio eu, isso está em processo de mudanças no Brasil.

A Copa do Mundo na África vai despertar maior interesse das pessas para a África?
Na verdade, a política externa brasileira é uma política com uma diversidade dirigida a vários países, mas ela tem foco predominante na África.

Isso é positivo?
Extremamente positivo embora a política externa brasileira tenha um foco maior no econômico do que no cultural.

O Brasil quer assumir o lugar dos antigos colonizadores?
Exatamente. Mas acho que isso é inevitável. Nesse processo você tem uma resignificação da nossa aproximação cultural. É óbvio que os brasileiros que são afrodescendentes não se consideram africanos. Mas também é óbvio que haja influências fortes principalmente da África subsaariana no Brasil. Isso é inevitável. Além disso, existem interesses brasileiros no continente. Por exemplo, através de tratados culturais, o Brasil montou uma universidade luso-brasileira, que fica no Ceará e tem recebido muitos estudantes daquele continente.

Com isso se espera integrar mais e melhor os países africanos com o Brasil?
A ideia é integrar os países de língua portuguesa. E isso foi gestado dentro do Ministério da Educação do Brasil através de acordos com Portugal e os países africanos de língua portuguesa. Além disso, o MEC tem uma ação muito forte lá fora. Está acabando de ser criada uma universidade em Cabo Verde com experiência brasileira. É uma ação que tem influência e consequência no marco da cultura da África.

Isso vai aumentar o nosso interesse pelo continente africano?
Sim, vamos ter que conversar muito mais sobre a África.

No futuro não poderemos ter problemas, por causa da nossa influência com a África?
Não acredito. Eu dou aula em uma universidade (UFSCar) e nós recebemos por ano não menos de 20 alunos africanos. E isso acontece há muitos anos.

São alunos de países de língua portuguesa?
Não, recebemos estudantes de muitos países africanos. Alguns precisam passar por uma adaptação com a língua portuguesa. Esse intercâmbio acontece em várias universidades brasileiras. Existe um programa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil que a base é receber em nossas universidades alunos da África e da América Latina. Estamos formando muitos quadros técnicos e políticos desses países. É um programa que tem mais de 20 anos de existência.

Na sua opinião, como será a Copa do Mundo na África?
Eu acho que isso remete ao que estamos falando aqui. A África é diferente do Brasil e de outros países. A África do Sul detém sozinha 50% do PIB do continente e é muito diferente. Eu tive oportunidade de conhecer a África do Sul em 2006. O que vi foi um processo imenso de mudança naquele país. Os estragos causados pelo apartheid (de 1948 a 1990) foram enormes. O que temos agora é um processo imenso de mudança. Então quando você conhece os grandes centros, como Cidade do Cabo, Johanesburgo e Pretória, você verifica que são cidades bem estruturadas, tal qual cidades brasileiras. Mas você vê ainda muita pobreza, faltam empregos e tem um agravante: são onze línguas oficiais na África do Sul. A situação educacional dos grupos étnicos que foram afastados da educação durante séculos só se altera na metade da década de 1990.

O que já foi feito desde o fim do apartheid?
O que eles conseguiram fazer desde então é absurdo. Afinal, foram mais décadas de política de segregação racial. Os avanços atuais impressionam muito.

O apartheid teve fim por pressão interna e externa? Elas contribuíram para o seu fim?
Durante o governo do ex-presidente Frederik de Klerk (1989-1994), ele sabia que não iria se sustentar por muito mais tempo. Por causa do apartheid, até o final dos anos 1980 na África do Sul, as populações eram contidas nos chamados bantustões (bairros só para a população negra). Os negros não podiam transitar livremente pelos espaços urbanos. Eles eram vigiados e policiados. E com o fim do apartheid as populações de jovens que estavam separadas se uniram e se misturaram. A segregação espacial era muito evidente. Mas ainda hoje, os bairros de brancos são muito protegidos.

O senhor gosta de futebol?
Sim, adoro futebol e Fórmula 1.

Vai torcer para quem nesta Copa?
A gente acaba torcendo pelo Brasil e a minha segunda opção é a Costa do Marfim.

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