Muito se fala sobre a gravidez na adolescência, mas sempre sob a ótica da menina. A primeira paixão, aquele amor arrebatador que parece não ter fim, pode resultar em uma gravidez indesejada. Sofre a menina, sofrem os pais dela. Mas, e o pai adolescente? Onde ele fica nessa história? Na maioria das vezes é deixado de lado, visto como vilão da história ou como o “bobo” que se deixou aproveitar pela menina.
Os pais dele, os pais dela, a sociedade, a escola, os amigos se esquecem que este jovem papai também tem sentimentos, dúvidas, angústias, medos. Não sabe exatamente como agir, o que dizer. Dependendo da família, não pode nem mesmo expressar sua opinião em relação ao bebê que vai nascer e que é dele.
Foi com base em histórias destes adolescentes que o jornalista Gilberto Amêndola escreveu o livro “Meninos Grávidos” (Editoras Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome), lançado em agosto no Filial, na Vila Madalena. O livro faz parte da coleção Repórter Especial, escrita por jornalistas. Gilberto, que também mora na Vila, foi buscar histórias reais, carregadas de “dor, amor e humor” para mostrar que esses meninos precisam de atenção da família e da escola, de programas direcionados à dar-lhes apoio psicológico e de mais do que simplesmente a imposição do “use camisinha”.
Gilberto Amêndola é jornalista com experiência em rádio, tevê, jornal, revista e internet. Atualmente trabalha como repórter do caderno Cidades do Jornal da Tarde. Como dramaturgo, escreveu peças para empresas entre 1996 e 1998, e estreou em circuito comercial com a peça Asdrúbal C – O Viajandão, em 1998. Vieram depois as comédias Antibióticos, Espeto de Coração e Sex Shop Café, todas montadas pela Cia. Encena. É autor de Assassinatos sem a menor importância, da Coleção Repórter Especial. O jornalista recebeu o Guia da Vila em sua casa para esta entrevista.
Como nasceu o livro?
Este livro faz parte da coleção chamada Repórter Especial, e foi uma idéia do Fernando Portela. Na época, ele trabalhava no Jornal da Tarde também, e lembrou que todo ano fazemos matérias sobre a gravidez na adolescência, mas do ponto de vista da menina. Há preconceitos em relação ao tema. O menino faz o filho e vai embora e a menina fica lá com o barrigão durante nove meses, tendo que agüentar tudo, sofrendo sozinha. Bom, fui conversar com meninos que passaram por isso. Fui atrás desses garotos para conhecer a história de cada um deles e descobri as imagens que se tem do garoto, de que ele é um monstro ou é o idiota. Ele é o monstro do ponto de vista dos pais da menina: “Acabou com a vida da minha filha! Transou sem camisinha!”. E ele é idiota do ponto de vista dos pais dele: “Você acabou com a sua vida! Devia ter usado camisinha! Ela quis se aproveitar de você! Você merecia alguém melhor! Tem a vida inteira pela frente!”. E conversando com eles eu pude entender que eles não são nem oito e nem 80, nem monstros e nem idiotas. Principalmente, notei que eles gostariam de participar desta gravidez sim. Essa prioridade que se dá ao pensar que a gravidez é um processo físico só da mulher é bobagem. É um processo físico, mas também é um processo social, é um processo psicológico. E o garoto ama, sofre, passa pelos perrengues, de maneira diferente da menina. Esse garoto precisa de apoio, precisa de atenção e muitos do que eu entrevistei queriam participar, estar junto no pré-natal, acompanhar a menina nos exames, aprender a cuidar de uma criança.
Quantos meninos você entrevistou e em que lugares?
Foram mais de 30 garotos, em diversas partes do País, em São Paulo, Rio, Porto Alegre… Fui atrás dos mais novinhos porque queria pegar os casos de primeiras relações sexuais que resultaram em gravidez. Até porque tem a coisa do preservativo. Muita informação gira em torno do uso do preservativo.
Ainda é um tabu?
Sim Todos eles ouviram falar de preservativo, no dia muitos deles tinham o preservativo. O problema não é a informação sobre isso. O problema é que grande parte dos adultos que criticam esses meninos de 14, 15 anos se esquece da primeira vez deles mesmos. Como é atrapalhada, confusa, cheia de nervosismo. Esses garotos sabiam que tinha que usar camisinha, eles tinham informação sobre a AIDS, tinham a camisinha no bolso. O problema é que na primeira vez ele vai lá, rasga o pacotinho, coloca a camisinha de maneira errada, a camisinha fura, e ele tá tremendo, tem que colocar rapidamente senão não vai conseguir manter a ereção… É a primeira vez! E os adultos se esquecem de que já passaram por isso. Falam que é irresponsabilidade. E na primeira vez é complicado. Talvez se quebrasse um pouco do tabu, falasse mais abertamente sobre sexo, tirasse a ansiedade da primeira vez, ajudasse mais a prevenir a gravidez do que o blábláblá sobre preservativo.
Você diz no livro que as campanhas publicitárias sobre preservativos não são tão efetivas quando uma campanha da Coca-Cola, por exemplo. Por quê?
Não são porque a chamada para a vida sexual, para o sexo, é muito mais forte do que aqueles slogans de “use camisinha”. O adolescente sabe que tem que usar, mas “tá difícil de achar no meu bolso, eu não vou saber colocar, e se eu não colocar isso logo eu não vou conseguir dar essa primeira!”. É o que pensam na hora.
Você escreve também sobre o aborto, que os meninos não pressionam tanto as meninas para que façam aborto como antigamente. Isso é real?
Nisso tem uma diferença de classe. Em casos de adolescentes de classes A e B que eu entrevistei, muitos não queriam que a menina abortasse, mas as famílias forçam essa situação. As famílias assumem as rédeas da situação, colocam na balança os pós e os contras de uma criança no futuro do filho e da filha, e esse aborto acaba sendo consentido. Há casos de abortos escondidos que acabam em tragédia, mas a maioria dos casos que eu ouvi, as famílias, principalmente as que têm grana, tomam a decisão. O menino até tenta dar opinião, mas não é ouvido. Nas classes populares, C e D, por incrível que pareça, os casos de aborto são bem menores. Primeiro que aborto costuma custar dinheiro. As pessoas já vêm de famílias numerosas, então uma criança a mais não é o fim do mundo. O problema maior é do ponto de vista econômico, é uma boca a mais para comer. E a questão religiosa pesa muito. Além da questão do machismo: “Fui homem para fazer, serei homem para cuidar”. Uma grande bobagem que se inventou foi essa frase, porque não é preciso ser homem para fazer um filho. Com 13, 14 anos, dependendo da maturidade orgânica, se faz. E isso vira mais um problema na vida do garoto porque ele precisa se transformar em homem em nove meses. E não vai se transformar. O grande problema é quando o garoto ainda sonha como uma banda de rock, queria ser jogador de futebol, astronauta, e engravida a namorada. Viram para ele e dizem que a partir deste momento ele tem que ser um adulto, que tem que trabalhar e assumir. Forçar isso é um crime contra o adolescente. E ele vai ser um adulto pior porque ele vai perder a fase dos sonhos. O que o livro pretende mostrar é que os casos em que os garotos se deram melhor na paternidade e que construíram um relacionamento legal com a menina, não necessariamente casaram com ela, são aqueles casos em que a adolescência deles não foi cortada. É óbvio que tem que ter mais responsabilidade, que amadurece, mas não vai virar um senhor aos 14, 15 anos.
É aí que entra o apoio familiar e da escola?
Sim. Ele precisa continuar estudando. A evasão escolar nas classes C e D é um problemão, o chamado círculo da pobreza. O menino é filho de um pai que teve que parar de estudar para sustentar a família, por aí vai. E quando ele consegue estudar, vai cuidar da criança, mas vai continuar tendo os amigos, vai continuar saindo de vez em quando, vai poder viajar, ter a vida de adolescente que ele é, no futuro será um pai e um homem melhor do que aquele que precisa vestir um terno e uma malinha. Isso dá certo um ano e depois ele será um adulto pior.
Do que esses “pais meninos” mais sentem falta?
De atenção, a maioria sente falta de atenção. Ele é carente. Todas as atenções nesta fase são para a menina. Atenção da família, atenção da escola, até mesmo as políticas públicas são voltadas para as meninas.
Inclusive há apenas uma ONG que trabalha com meninos…
Sim, o Instituto Papai, em Pernambuco, é a única da América Latina sobre o assunto. Se for pensar em governo, o apoio é menor ainda. Os programas de saúde, de assistência social, são voltados para a menina. Alguns lugares que consultei, quando sabiam do motivo da reportagem, se atrapalhavam, diziam que o programa era para a menina, mas que poderiam adaptar para o menino… Não tem nada específico para o garoto. E a gravidez é um drama particular do menino, não é físico, mas é psicológico, de julgamento de caráter. E não existe apoio neste sentido. Eles carecem de atenção, desde a mais básica, como os mimos que as meninas têm. “Comprei um docinho para você”, dizem pra ela. E o moleque fica lá, de lado. Até políticas públicas. Na escola, as meninas grávidas têm flexibilidade de horário, se vão fazer exames, podem fazer provas em outro dia e horário. O calendário fica elástico. E não encontrei escolas que favorecessem o menino. Ao contrário, encontrei um colégio que expulsou o garoto porque o viu na saída da escola com a namorada grávida. Disseram que iria virar entre os alunos!
E o amor? Acaba?
Normalmente, quando eles amadurecem, se separam. Sabem que podem ser pai e mãe sem estarem casados. Ficam juntos um tempo, essa pressão existe em qualquer classe social, mas tem prazo de validade. A maioria se separa depois de um ano, um ano e meio de relação. Com a convivência eles vão se afastando, tomando conta do próprio nariz, já tem condições de enfrentar pai e mãe. Os próprios pais dos adolescentes vão amolecendo em relação aos filhos e ao bebê. Encontrei casos de pais e mães que não estão mais juntos e que têm uma boa relação entre si e com a criança; casos de mãe que deixou o filho para o garoto criar. E por aí vai. Para o livro, entrevistei alguns estudiosos. O Içami Tiba diz uma coisa muito interessante. O adolescente não tem memória de futuro, então não adianta aconselhar. O adolescente precisa passar por algumas coisas para imaginar que aquilo pode acontecer com ele.