Através de seus oito anos de existência esta coluna tem comentado fatos e comportamentos, notícias publicadas na mídia impressa e eletrônica, veiculadas pela Internet, que abordem a relação homem-animal. Nessa relação, não raras vezes constatamos, o direito à vida e ao bem-estar dos bichos é ignorado ou mesmo desrespeitado de formas leves a severíssimas. Recebemos e-mails e notícias sobre leis e projetos de leis que regulam essa relação, que também comentamos. Nos últimos anos os meios de comunicação têm dedicado menos raramente espaço e tempo a tais assuntos. Talvez porque questões relativas ao meio ambiente tenham se tornado mais preocupantes.
Mês passado, em “O Circo Invisível”, reproduzi partes de uma notícia publicada no “Diário Catarinense” de 21/03/2004, que recebi anexa a um e-mail, sobre o caso do gato Belsik, que pulava de 20 metros de altura para cair numa almofada num espetáculo de circo. Usei o caso como exemplo para ilustrar os perigos por que passa um animal (neste, um doméstico) utilizado num espetáculo, e noticiar a emenda a um projeto de lei na Assembléia catarinense que libera esse tipo de apresentação. A matéria do jornal dizia que, conforme entidades de defesa animal, “o gatinho persa caiu fora da almofada, ficou paralítico e acabou morrendo”; que “Wladimir Spurega, coordenador do grupo de circos marca Beto Carrero”, confirmara o acidente. Acrescentava ainda que a assessoria do Parque de mesmo nome, onde estava montado o circo, admitira o acidente e que o gato estaria “em repouso”. Compreende-se que as duas últimas declarações vieram de origens diferentes. Isto coincide com observação feita pelo Sr. Wladimir Spernega (sobrenome correto do missivista) em um e-mail enviado para o Guia da Vila. Citado na matéria daquele jornal, ele enfatiza a diferença entre Parque e Circos Beto Carrero. Entre outras considerações, ele diz que “em nenhum momento me pronunciei em nome do parque Beto Carrero”. Não adianta se em 2004 era coordenador do grupo de circos com o mesmo nome; ou se, como tal, confirmou o acidente. Agora, conforme sua mensagem, o Sr. Spernega representa a UBCI – União Brasileira dos Circos Itinerantes.
A apresentação de animais selvagens em circos pode ser milenar, como defendem os donos de circos que os utilizam. Mas nem sempre uma tradição deve ser mantida, se observada sob o ponto de vista humanitário. No Oriente Médio existe a tradição de se mutilar o clitóris das adolescentes. Deve ser uma tradição milenar. Os adeptos da farra do boi, das touradas e de outras práticas cruéis também usam a tradição como argumento para defendê-las.
Um leão corre livre, quilômetros por dia, em seu habitat natural. Um indivíduo desta espécie pode ser feliz trancado em uma jaula? Mesmo que haja nascido em cativeiro e que tenha uma vida mais longa, como assegura o Sr. Spernega? O instinto dos animais não é apenas milenar. É ancestral.
Já assisti a um documentário que mostrava elefantes de circo com as pernas feridas pelas correntes que os mantinham presos, na tentativa de se livrar dos elos de ferro. Eles apresentavam movimentos repetitivos, balançando as trombas sem parar. Estresse, tristeza e neuroses também acometem os animais.
Há muitos anos, numa visita ao zoológico de São Paulo, vi símios que jogavam suas fezes contra as pessoas que os observavam. Os espectadores, providencialmente, eram protegidos por um vidro. O protesto daqueles primatas era claro. A não ser para os que riam de sua revolta.
Le Cirque du Soleil deslumbra espectadores de todo o mundo com seus artistas que só engrandecem a criatividade e o talento humanos. Sem utilizar um animal sequer. O circo do ator Marcos Frota, no Brasil, segue a mesma trilha.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual o Brasil é signatário, diz em seu artigo 5 que os animais têm “o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprios de sua espécie. Toda modificação desse ritmo e dessas condições, imposta pelo homem para fins mercantis, é contrária a esse direito”. No artigo 14 consta: “Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural. A privação de sua liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a esse direito”. E no artigo 10 não deixa dúvida: “Nenhum animal deve servir de divertimento para o homem. A exibição dos animais e os espetáculos que os utilizam são incompatíveis com a dignidade dos animais”.