O francês Olivier Anquier está no Brasil há 28 anos. O que seria uma viagem de férias de um mês se transformou numa paixão arrebatadora. Modelo famoso da década de 1980, ele também sentia o chamado da vocação culinária, herança da família. Na ânsia de atender sua vocação, ele desembarcou no Brasil e a bordo de uma Rural saiu pelo país atrás de um lugar para se instalar. Depois de três meses e meio, Jericoacoara (CE) foi escolhida e nasceu o restaurante Aloha. Anos depois, em Florianópolis, ele abriu o Malaïka, cuja cozinha ficava no meio do salão e todos podiam vê-lo em ação. Em São Paulo, ele abriu a boulangerie Pain de France, que consolidou sua fama de padeiro. Em 1996 veio um convite para a televisão. E ele não parou mais: dez anos viajando pelo Brasil, descobrindo histórias e sabores, que também resultou num livro lindo. Inquieto, ele achou um jeito gostoso de envolver as pessoas ao redor de um fogão e está levando, até 1º de junho, o espetáculo Olivier, Forno e Fogão no Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182), onde mostra todo seu prazer de cozinhar e compartilhar com as pessoas.
O sotaque ainda é carregado, mas isso dá mais charme a cada frase, dita com desenvoltura e amabilidade. O jeito carinhoso que ele passa na televisão também está presente nesta entrevista, feita em sua casa numa tarde sem sol do mês de abril. Confira.
Você mora na Vila Madalena, isso é bom?
É um bairro vivo, que tem alma, tem gente, tem juventude, tradição, as casinhas. Eu gosto bastante, está perto de tudo, só tem um problema: às sextas e sábados à noite… Fora isso, sempre morei em casa e nunca me senti ameaçado por nada, é um bairro relativamente seguro, embora eu tenha um cachorrão aqui pra resolver a parada. É um bairro muito simpático de se viver.
Aqui tem muitos personagens…
Sim, o tempo inteiro. Agora há pouco eu encontrei um… Tem muitos artistas, artesãos, aqui perto tem uma fundição de esculturas de ferro fundido. E pequenos artesãos que dão essa alma, essa autenticidade ao bairro. São essas coisas que a Vila Madalena oferece, surpresas assim numa esquina, num beco. Uma coisa autêntica, tradicional, muito viva.
Entre uma viagem e outra você vai aonde por aqui? Restaurantes?
Vou te falar a verdade: não vou muito a restaurante, não, aqui ou em qualquer outro lugar. Restaurante é aqui em casa mesmo. Mas de vez em quando vou ao Grazie a Dio a pé. Mas vou ao supermercado a pé. Tudo isso o bairro me oferece, essa possibilidade. Muita gente pegaria o carro, mas como sou de origem européia, tenho essa coisa de gostar de andar a pé.
Mas e o assédio?
Eu não tenho esse problema. Eu nunca abri mão do meu jeito de viver e isso faz com que eu viva de uma forma muito tranqüila.
Há tanto tempo aqui, você já assimilou alguma coisa daqui, essa correria de São Paulo, por exemplo?
Olha, eu ando de moto pra poder correr e fazer tudo. Agora, o que eu não aderi é sistematicamente pegar o carro pra fazer qualquer coisa, vou a pé. Isso é conseqüência das minhas origens, pois estamos acostumados a ir a pé ao açougue, à padaria, mas os bares estão aqui em volta, como se fosse o quintal! Outro dia saí do dentista na Avenida Paulista e vim até aqui a pé. Eu sou observador, curioso e só a pé mesmo pra você ver coisas. Nesse trecho, vi um monte de coisas bacanas. E também não é tão longe assim, mas para o paulistano é um absurdo.
E a experiência no teatro?
A experiência de estar em contato com uma platéia e ser o animador por um momento, atrair a atenção das pessoas é uma prática que eu trabalho há dez anos. Porque paralelamente às viagens que eu fiz para o livro, também fiz conferências, feiras, seminários, eventos, onde eu fazia aulas-show pra platéias bem maiores que a do teatro da Aliança Francesa. Já tive 1.350 pessoas contra 230 no teatro.
A recepção no teatro é diferente?
É igual, é exatamente a mesma.
Será que é porque é você que está lá na frente?
Aí é que está: independente da quantidade de gente que está me acompanhando, que sejam 10 ou 1.500 pessoas, o interesse é o mesmo. Isso eu constatei. A administração do imprevisto é a mesma e às vezes é muito mais fácil com muita gente. Porque muita gente rende muito mais. Eu tenho a particularidade de sempre envolver minha platéia de uma maneira forte, a ponto de ela virar personagem. Então quanto mais gente, mais surpresas acontecem.
Então você subverte o papel e se diverte mais que eles?
Muito, muito, muito… Acaba sendo uma grande reunião de amigos, que envolve a cozinha. Durante dez anos eu segurava essa platéia com o microfone, uma bancada, minhas receitas e pronto. Não tinha nenhum artifício, era tudo no gogó, durante quase duas horas. Então eu adquiri uma bagagem muito grande. Para transformar isso num espetáculo foi razoavelmente fácil. O público muda a cada sessão, então é uma aula diferente, um personagem diferente, que se desenvolve e faz acontecer coisas que não aconteceram em outros espetáculos. Cada apresentação é um momento diferente.
Mas é num teatro…
Sim, então tem um roteiro de marcação, com sonoplastia, luz, projeções, marcações, tem uma equipe. Por mais que seja improvisado, tudo isso tem que funcionar e tem uma cronologia. Mas texto mesmo não existe, por isso não é uma peça, é um espetáculo e é inédito no Brasil dessa forma. É um espetáculo culinário dentro de uma realidade de teatro.
Mas todo mundo quer te ver…
Suscita curiosidade. No início prejudicou um pouco pelo apelo “peça”, que remete a ator, metido pra caramba: agora o padeiro está virando ator! Mas esse é um raciocínio normal. Eu continuo sendo um padeiro, não interpreto ninguém, a não ser o que sou. Eu apresento sempre o mesmo personagem, que anda pela rua, que faz viagens pelo Brasil, o profissional, o pai de família, a pessoa que está aqui dando esta entrevista.
Você está fazendo outro livro?
Sim, o “Diário do Olivier em Portugal”, para o ano que vem.
Como foi a viagem pra lá?
Ao invés do Fusca, é uma moto, porque não deu pra levá-lo. Peguei minha moto na França e desci até Portugal. Foi sensacional, comi como nunca na vida, meu Deus. Viajei 15 dias e consegui fazer oito programas, gravando todos os dias. Mas ainda vou voltar pra “costurar” algumas coisinhas, eu, minha moto e minhas máquinas fotográficas.
E o Fusca?
Virou artista, está insuportável, metido… Tenho um verde, um azul e um prata, mas só faço o programa com o verde.
Como você não engorda?
Porque eu com equilíbrio, como de tudo. Como em busca do prazer, que é de uma certa forma aquilo que eu transmito no trabalho que eu faço no mundo da culinária, não é gastronomia, é cu-li-ná-ri-a.
Mas você faz exercícios?
Sou agitado demais, estou no pique sempre, sou difícil de pegar numa cadeira, mas faço academia, embora eu não vá há três meses…
A impressão que eu tenho é que tudo que você põe a mão dá certo.
Acho que é porque eu faço tudo com autenticidade. A partir do momento que você é sincero com o que faz, tem orgulho e provoca o que todos nós procuramos, que é o reconhecimento, você é um sucesso.
Verdade que você voa?
Sim, vôo livre, fui bicampeão brasileiro quando ainda era ilegal. Foi assim que descobri a Serra da Bocaina, onde tenho uma casa. Olha meu nariz de águia!