Nos bailes da Vila

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Noites de lua cheia a Vila Madalena estava pronta para sair e dançar. Noites sem lua também.
Pés-de-valsa, mariposas e dançarinos afins reuniam-se sempre no bar Funchal, aqui na Wisard, onde hoje é o Piratininga, para combinar quando ou na casa de quem iriam dançar. Quase todo dia era noite de dançar. Estamos em meados de 1960. As vitrolas rodavam suas bolachas pretas em rotação 78, as mais moderninhas seus compacto duplo em 33 rpm.
Carroíra, sujeito ruim de dança. Sacaneava a moçada nos bailes jogando pó de mico, inseticida Gamexame ou barbante queimado, até mesmo rapé. Armava a confusão e sumia pelos fundos para não apanhar.
Peixito, Vadão, Lucrécia, Carminha, Dulce, Norminha, Marilena, Lolinha, Guilherme, Nenê e Roberto dançavam a noite toda deixando quem ficava de fora com água na boca. Deslizavam pelos salões com pompa e elegância. Arrancavam sorrisos e provocavam ciúmes.
Nos quatro cantos desse alegre lugarejo, os bailes iluminavam suas ruas como candeeiros boêmios esperando os primeiros raios de sol para revezar a luz e se retirarem. O Zé Leiteiro já havia passado pelas casas deixando a bengala de pão e o litro de leite nas portas. Nessas manhãs, os jovens dançarinos ficavam sempre de bigodinhos brancos.
Havia o salão do 1º de Maio, o Fubá na Mourato Coelho, conhecido por ter sempre fubá esparramado pelo salão, fazendo com que os pés deslizassem macios pelo chão. Outro salão na rua Original com a Harmonia, era o Vasquinho, apelidado de rala-bucho. O Grupinho, onde hoje é o Bradesco na Wisard, que antes era um grupo escolar, depois desativado, virou salão de gafieira, daí o apelido. Nele estava sempre o Henrique Barbeirinho, exímio dançarino de tango. Outro salão de baile era no 7 de Setembro, na rua Jericó em frente a escola Maximiliano. Isto mostra que antes dos barzinhos a Vila já fazia barulho. Deste salão saiu o Oswaldo da Harmônica com seu “Conjunto do Oswaldão”, animava as noites levando seu público. Depois seguiu para os grandes salões como o Tangará, na rua Butantã, ao Som de Cristal, Garitão, Clube Piratininga, Holmes e, mais tarde, Sandália de Prata.
Desde grandes salões à pequenos endereços de bailes aconteciam pela Vila Madalena. Na rua Simpatia tinha a sede do time de futebol Madureira, apelidado de “Baile dos Negões,” o Garagem. Enquanto na Teodoro, para os grã-finos, tinha o salão mauricinho Baby, rolando Gregório Barrios e Ray Connif direto.
“A Vila sempre foi musical em todos os sentidos”, afirma o querido dançarino Vadão Eletricista. “E o melhor dançarino da Vila de todos os tempos foi o Antônio Carlos, o Peixito”. Hoje, ambos dão aula de dança pela prefeitura para a terceira idade. Sempre um deles sabia onde haveria um baile de formatura ou de debutante. Quando ocorria algum pela Vila Beatriz, a confusão estava feita. Tinha bate-boca na saída. Os “Madalenos” dançavam melhor. Era sabido. Mas, no fim, todos juntos tomavam a última e a bronca ficava esquecida.
Às vezes, vinham para cá, pela fama de bons bailes, uma turma de estranhos baixinhos. Eram os jóqueis da Cidade Jardim, como o Dendico Garcia e Vergílio Pinheiro Filho, loucos para dançar.
Bailes intermináveis ainda parecem acontecer por aqui. Há quem diga que passando pelas ruas da Vila, já bem tarde da noite, quando todos parecem estar dormindo, ouve-se de algumas tímidas janelas debruçadas nas calçadas uma música saindo pelas gretas: “Besa-me, besa-me mucho, como se fuera esta noche la ultima vez…”.

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