Em entrevista na TV Globo, o Ministro da Justiça comenta que, mais eficaz que o tamanho da pena, é a certeza da punição ao crime cometido. Pode ser. Alguns fatos recentes, apesar de profundamente lamentáveis, desencadearam conseqüencias que alentam aqueles que se dignam zelar pelos direitos das outras espécies, além da humana.
Em Recife, o servidor federal José Epaminondas da Rocha, 50 anos, foi condenado pelo envenenamento de 20 gatos e um cachorro que pertenciam à vizinha dele, Lindalva Barros da Silva. A sentença: 12 meses de reclusão em regime semi-aberto e uma multa de R$ 10 por dia durante a pena.
Felipe Hugen de Macedo, 21 anos, matou a pontapés seu cão rotweiller, filhote de 5 meses, por ele ter revirado a lata do lixo. Para abafar os gritos do animal, amarrou-lhe a boca com uma corda. Assim mesmo os vizinhos ouviram e chamaram a polícia de Florianópolis. O policial que atendeu a ocorrência, João E. Cavallazi, teve dificuldade em conter os ânimos das testemunhas que queriam linchar o criminoso. Este se trancara em casa depois de enforcar o filhote. Autuado em flagrante, Felipe assinou o termo circunstanciado e terá que comparecer em juízo no dia 20 de junho deste ano.
Alberto C. da Cunha Neto, estudante de Direito em Pelotas, amarrou uma cadela prenhe – a Preta – ao pára-choque do seu Ford Ka e assim arrastou-a por 5 quadras. Partes do animal ficaram pelo caminho. Já responde a um inquérito por porte ilegal de armas e outro por abater a tiro a cadela do vizinho. Mais três amigos participaram do ato, segundo testemunhas: Fernando Siqueira Carvalho, estudante de Engenharia Agrícola; Marcelo Ortiz Schuch, pré-vestibulando; e Marcelo Oliveira D’Ávila, cursando o último ano de Direito. Este acompanhou os amigos no seu próprio carro. Tentou inocentar Fernando e o outro Marcelo declarando que eles estavam no automóvel que dirigia. Foi denunciado e indiciado por falso testemunho. Tem um histórico de agressividade contra pessoas e animais e de danos a patrimônio.
Mais um gaúcho foi condenado. Desta vez, a pagar uma indenização de R$3.125,00 por atropelar uma cadela em local onde deveria dirigir a baixa velocidade. No caso, assinale-se, o dono colaborou para que o fato acontecesse, pois deixou seu animal “passear” solto, sem guia para contê-lo.
A juíza Rosana Navega Chaves condenou em Nova Iguaçu (RJ) o presidente do Nine Clube a pagar 70 salários mínimos em favor da SUIPA (sociedade protetora) porque ele promovia bailes funks e eventos evangélicos em alto som, perturbando a vizinhança, além de rinhas de pitbulls. Cito partes das considerações da juíza em sua decisão: “… a rinha não está sendo julgada, porque ainda não foi denunciada, mas os latidos dos pobres animais submetidos às crueldades são mais uma prova, dentre muitas, de que havia barulho…”. Sobre as penas alternativas: “Lamentavelmente tem sido muito timidamente utilizada pelos magistrados do Brasil porque a prisão é a aplicação mais evidente de punição, mas não a única”. “Crueldades contra animais devem ter punição pecuniária com endereço certo: para uma instituição protetora, para que o sofrimento dos bichos não fique impune, nem as sentenças brandas, com condenação só em cestas básicas, provocando o descrédito do Judiciário”. A juíza dedicou a sentença à cadela Preta, vítima dos estudantes de Pelotas.
Semana passada, li o e-mail de Fernanda Marques, uma carioca que não mandou seu endereço: seu vizinho espanca os três cães que tem em casa, diverte-se em atiçar o rotweiller, fazê-lo morder um casal de cães de outra raça e obrigá-lo a cruzar com a fêmea amarrada. Ela foi à Delegacia prestar queixa. Saiu de lá arrasada. Não levaram o caso a sério. Está deprimida, desiludida com a Justiça, esperando os dois animais “cada dia mais magros e tristes” virem a morrer.
Em agosto de 2003, outra cachorra, Charlene, foi baleada por um estudante. Embora não confirmada pela Polícia, há suspeita de que o atirador seja um dos estudantes envolvidos no caso de Preta.
Pois é. Cada caso de que sabemos e para ele fechamos os olhos; cada delegacia onde se ridiculariza uma denúncia como a de Fernanda; cada juiz que minimiza a pena de um algoz de animais; cada Duda Mendonça ou Babu que se vale de suas influências políticas e se safa; cada vizinho que não sabe o que fazer diante de maus-tratos, não recebe orientação de quem deveria, incentiva o criminoso impune a cometer atos cada vez mais violentos. Um dia, talvez, contra um índio que dorme num banco.
Quando mais uma vida for tirada de forma cruel, não haverá manifestação pública ou sentença que a traga de volta. Ou que refaça um corpo mutilado.
A escalada de um criminoso pode ter sido iniciada com um delito classificado como “de menor poder ofensivo”.