Deficiência e inteligência

0
1153

A ex-secretária da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida fala sobre o conceito de acessibilidade universal que mudará radicalmente o cenário das ruas Wizard e Aspicuelta

“As mudanças anunciadas para as ruas Wizard e Aspicuelta, longe de serem vistas como fator limitante para o comércio local, deveriam ser encaradas pelos comerciantes como um instrumento de inclusão, que trará novos consumidores ao bairro”. A opinião é da vereadora Mara Gabrilli (PSDB), que acompanha de perto o projeto de revitalização dessa região da Vila Madalena, com obras voltadas para a completa acessibilidade de ambas as ruas.
Nesta entrevista ao Guia da Vila Madalena, Mara fala sobre o conceito de acessibilidade, algo que entrou definitivamente no vocabulário da Paulicéia a partir de 2005, quando o então prefeito José Serra decidiu criar a Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED). “Aceitei o convite para assumir essa nova Secretaria. Sempre gostei de transformar. Acredito que, quando melhoro a vida de alguém, a minha melhora junto. Vivemos numa época em que a ética foi deixada de lado, onde o assistencialismo vigora e o sentimento de mudança vai sendo, aos poucos, enterrado na memória do brasileiro. Eu me recuso a aceitar isso. É algo que me envergonha. Percebo o quanto minha situação privilegiada fez e faz diferença: o cargo que ocupo, os tabus que já quebrei e o fato de estar muito bem de saúde. Trabalho e me dedico para que cada vez mais pessoas possam ter acesso às coisas que eu tenho”, afirma a vereadora, que ficou à frente da SMPED de janeiro de 2005 a janeiro de 2007.
Além do mandato na Câmara Municipal de São Paulo, Mara Gabrilli, psicóloga e publicitária, está à frente de uma Organização Não Governamental (ONG), o Instituto Mara Gabrilli que tem como braço operacional o Projeto Próximo Passo (PPP), cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida e promover o esporte para pessoas com deficiência e fomentar as pesquisas científicas para a cura de paralisias.

Intervenções da prefeitura em ruas comerciais sempre são motivo de polêmica, pois o comércio teme ser prejudicado. Como tem sido o seu diálogo com os comerciantes?
Melhorar uma rua é mudar para melhor a própria cidade, sempre pensando que é preciso torná-la universal em termos de acesso. Desde 2005, existe uma transformação em curso em São Paulo nesse sentido. É uma transformação grande e ampla, que atinge bairros mais ricos, como os Jardins e a Vila Madalena, e também áreas com perfil diametralmente oposto, como Pirituba. Nas ruas comerciais já beneficiadas no início houve resistências. Mas depois, todos se renderam aos benefícios das obras. Houve um incremento da atividade comercial. Basta conversar com os comerciantes da Oscar Freire (Jardins) ou João Cachoeira (Itaim) para confirmar esse impulso ao comércio local.

De onde vem esse incremento?
Uma rua acessível é uma via aberta para receber cerca de 3 milhões de novos consumidores que deixam de freqüentar um determinado local pois a acessibilidade zero impede que eles cheguem até um bar, restaurante ou casa de espetáculos.Mas não é só desse segmento que o comércio se beneficia. Calçadas corretamente refeitas, paisagismo adequado atraem também quem mobilidade plena. Mas não basta a rua estar acessível. O acesso universal também deve estar presente no próprio estabelecimento comercial. De que adianta uma calçada acessível se para entrar na loja existe um degrau de 1,5 metro?

Existe uma outra forma de conscientização para a necessidade de uma cidade acessível a todos que não passe apenas pela maximização do interesse comercial?
Acho importante lembrar que mobilidade pessoal de cada um, hoje, pode não ser mesma numa fração de segundos. Há 13 anos atrás isso aconteceu comigo. Num instante eu era uma pessoa normal, com pleno movimento nos quatros membros. Um acidente de carro me tornou tetraplégica. Precisei respirar com ajuda de aparelhos nos seis primeiros meses e ficava angustiada por estar dependente de uma tomada. E se acabasse a luz? O que faria? Quando pude respirar sozinha, a sensação foi de muita liberdade, e o fato de não andar mais não pesou muito. Mas foi no momento em que retomei minha vida cotidiana, que percebi como era ser brasileiro com deficiência na cidade de São Paulo. Percebi que faltava informação, acesso. Faltava muita coisa.

E continua faltando?
Avançamos muito no que diz respeito a políticas públicas de acessibilidade em São Paulo. A criação da SMPED em 2005 e da Secretaria Estadual em 2008 foram iniciativas fundamentais para as transformações que podem ser vistas em várias regiões da cidade. Mas quando deixei a Secretaria para assumir meu mandato como vereadora percebi que existe uma grande lacuna na área da informação. Ainda faltam canais de comunicação capazes de levar para a população em geral as iniciativas públicas em termos de acessibilidade. Acredito muito na eficácia da imprensa regional, os guias, os jornais, que por atuarem localmente conseguem transmitir melhor essa necessidade de mudanças estruturais em nossas ruas, avenidas e estabelecimentos comerciais e a mudança de comportamento em termos individuais e de comunidade.

São Paulo dá mostras de ser uma cidade disposta a mudar de atitude quando a questão é a acessibilidade e o respeito às pessoas com deficiência. E em outras capitais como está a situação?
A nossa cidade vai incorporando uma cultura de respeito à pessoa com deficiência. Veja que em 2001 apenas 100 pessoas com algum tipo de deficiência estavam no mercado de trabalho. Hoje é número chega a 80 mil. Vi avanços no Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Mas também devemos estar atentos às cidades menores, onde não chega a informação a respeito das regras da acessibilidade cidadã.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA