Redescobri, fazendo uma palavra cruzada na espera interminável de um aeroporto, que o caos é o momento que antecede a intervenção do Demiurgo, na tradição platônica. Supus imediatamente que esse interventor, criatura intermediaária entre a natureza divina e a humana, pudesse nos levar a uma realidade melhor ao seu menor toque. Porque então o Demiurgo virou as costas ao Brasil, estendendo o caos desde o início até hoje? Longos cinco séculos. E o caos virou apagão. A intimidade permite isso.
Perdemos a capacidade de imaginar o País sem apagão. Tudo é construído a partir da possibilidade da desconstrução, da ruína. E nem passa por nossa cabeça um dia as coisas serem diferentes. Nem platonicamente há mais Demiurgo.
Fui interrompido. Era Kelly, minha amiga jornalista do Guia da Vila, com uma palavra de ordem: “Dez anos, ouviu?”.
Ouvi, respondendo sem entender muito bem aonde ela quis chegar. Se era a duração do caos, era muito pouco. Se era o que faltava, nem sonhando. Deixei no departamento do não entendido para posterior averiguação e fiquei tentando retomar o meu assunto. Descobri que o tema preferencial de tudo que faço é sempre o mesmo. Sempre estou tentando entender o Brasil e não sei se vocês têm mais paciência comigo. E nem sei como consigo ficar toda vida fixado nisso. Talvez a gente seja mesmo o metabolismo ambulante do Raul Seixas e fascine a todos como a mim. Não sei.
O fato é que acabo de descobrir o que significam os tais dez anos da Kelly. Num País como o nosso, uma publicação completar a marca dos dez anos é uma imensa vitória. É superar a areia movediça da precariedade, do apagão. É contar até dez no meio do fogo cruzado da estupidez. É superar a nossa própria marca. Uma alegria decana.