A lei estadual n. 11.977/05, já chamada de Código Estadual de Proteção Animal, entra em vigor no dia 10 de outubro e será regulamentada em 180 dias. A lei é de autoria do deputado estadual Ricardo Trípoli (PSDB) e estabelece, entre vários outros ítens, normas para a criação e abate de animais para consumo e a utilização de animais de tração e carga, em detalhes. Veda, por exemplo, o transporte de animais com os pés atados ou de cabeça para baixo – o que acontece comumente no caso de aves; animais embarcados deverão pelo menos a cada 6 horas receber água e alimento; e quando a pé, no mínimo a cada 10 km, além de ter uma parada para descanso.
A utilização de animais em pesquisa e ensino é regulada. Obriga toda entidade que a pratique constituir as CEUAs (Comissão de Ética no Uso de Animais). Das CEUAs participarão representantes de professores, alunos, comunidade; veterinários, biólogos e pesquisadores, além de representantes de associações de proteção e bem-estar animal legalmente constituídas. Embora estes permaneçam em minoria quanto ao número total de membros, já é um avanço. Às CEUAs compete, entre outras coisas, examinar o caráter inovador da pesquisa, assim evitando as usuais repetições de uso de animais para demonstrar resultados já conhecidos. A lei estabelece claramente o direito de alunos e pesquisadores se recusarem a participar de aulas ou projetos que utilizem animais por uma questão de respeito a todos os seres vivos, a chamada “escusa de consciência”. E resguarda os optantes de punição, devendo os mesmos apresentar trabalhos substitutivos. Laboratórios que não utilizem animais poderão exibir nos rótulos de produtos este fato e receber incentivos fiscais.
O código ainda obriga os caçadores a guardar seu arsenal em casa: profissional ou esportiva, ela fica proibida. Pescar, só em época e áreas permitidas pelo órgão competente. A lei institui o Programa de Proteção à Fauna Silvestre, digno de matéria à parte. Cães e gatos apreendidos não mais poderão ser sacrificados por métodos cruéis nos CCZs ou deles destinados para experimentação; os municípios são obrigados a manter programas permanentes de controle de natalidade, vacinação e ações educativas para a posse responsável. Proíbe ainda que se venda ou exponha animais em área pública sem licença, o que significa um golpe na indústria clandestina de filhotes.
Porém uma lei como esta não passaria impune. Ela proíbe a exibição de animais em circos, as rinhas, touradas e vaquejadas. Mais: proíbe que rodeios e similares “envolvam o uso de instrumentos que visem induzir o animal à realização de atividade ou comportamento que não se produziria naturalmente sem o emprego de artifícios” (art. 22). Não foi surpresa: logo o Clube Os Independentes de Barretos lançaram um manifesto contra a lei que, conforme o documento, “tem artigos que proíbem a realização de rodeios no estado”. Basta ler o artigo reproduzido acima para constatar a falsidade desta afirmação. Aliás o único que se refere a rodeios. O que se proíbe é o uso de “instrumentos”. Estes, evidentemente, não são a cela e os arreios, indispensáveis ao ato de montar um cavalo. Promotores de rodeios e peões sempre juraram que nestas festividades não ocorrem maus-tratos, que bois e cavalos pulam por serem bravos. Por que a proibição de artifícios é traduzida por eles como proibição do todo da festa? Vão além: a lei “inviabiliza a produção rural no setor da pecuária”. Com o manifesto de Valdomiro Poliselli Jr., pecuarista e empresário, também atacando a lei 11.977, fica claro que as duas forças se uniram e conclamam outras a eles se unirem: até a dos cantores sertanejos. Alegam ainda que a lei causa “desemprego em massa” e conta “com simpatizantes do atraso”.
Qualquer avanço tecnológico provoca desemprego num primeiro momento. Há alguns anos assistimos ao “medo da informática”. Com ela, não se pode negar, profissões foram deletadas. Porém muitas outras foram criadas. Alguém ousaria abolir carros, trens, ônibus para que as profissões de ferreiro, cavalariços e condutores de charretes pudessem sobreviver? Ou no caso dos rodeios com sedéns, esporas dilacerantes e coisas piores, alguém defenderia a tortura para que os torturadores não perdessem seus empregos? Ah, é diferente? Já houve tempo em que chicotear escravos era lícito porque eles eram diferentes. Nem sequer tinham alma! A abolição da escravatura seria a ruína da nossa economia. Senhores peões e pecuaristas, onde está o atraso?
Provavelmente voltarei ao assunto. Esse conflito de interesses e de mentalidades vai longe…