Pedro Costa
A cara da Vila é o sorriso de suas caras. O sorriso da Vila é desigual, é maroto, provinciano e despretensioso. Não é um risinho lateral, muito menos tímido. Reparem. O riso da Vila é um convite a sorrir do seu jeito. Há quem diga que aprendeu a rir aqui, com sua gente. O pedreiro para todos os bicos, há mais de vinte anos que eu o conheço, chama-se Risada. Duvido que alguém saiba seu nome verdadeiro, também, pra quê? É o Risada e pronto. Quando tem a “Festa do Boi”,lá vai o Risada vestido de boi dançando e encantando a garotada da Vila. Precisamos eleger este ano outro boi, o Risada já avisou que passará a bola, está de bengala, o riso está manco. A votação será no bar do Gerson, ali na Natingui, final da rua Delfina. O bar não tem placa e fecha cedo, cabe pouca gente e não abre final de semana, mas o torresmo é fresquinho e a cerveja é bem gelada.
Na Vila as praças são cheias de crianças. A das Corujas, a Rafael Sapiensa, onde morei, a do Colégio Alves Cruz, onde sempre levava para engatinhar um dos meus filhos, o Pablo, hoje com 25 anos. A garotada até hoje brinca por lá. Por causa da rampa de grama, continua gostoso descer por ela sentado num pedaço de papelão. Ainda brincam de “bola de gude” no canto da praça, perto da João Moura. Aos domingos, os poucos carros que por lá passam, são gentis em dar uma carona para os skatistas subirem a rua lateral. Quer ver pipa subir fácil-fácil…é só soltá-la na Praça Pôr do Sol, dar linha parecendo empinar a tarde, como num teatro que levanta o pano, no fundo do palco do mais lindo entardecer. Sem contar que lá de cima da praça, ouve-se distante o murmúrio de São Paulo, seu batimento cardíaco. Não é à toa, que há sempre um grupo fazendo exercícios lentos do Tai Chi Chuan.
A cara da Vila vai se fazendo por onde passamos. Por aqui ensina-se de tudo. Escola de circo, o Picadeiro. Escola de teatro, o Brincante, escolas de dança, oficinas de artesanato, ateliês, galerias de Arte, o Centro Cultural da Vila Madalena, a Escola de Samba Pérola Negra, fazendo até “paralelepípedo se arrepiar”.
Quem ainda não conhece a Feira da Vila, que todo ano, há mais de duas décadas encanta essa cidade pelo seu desprendimento apresentando e revelando artistas de todas as áreas. Festa popular de rua, aberta para todos.
Se Caetano Veloso fosse paulistano teria feito a música “Terra” com a frase “A Vila tem um jeito…”. Vira e mexe, há sempre alguém projetando filmes para a garotada em algum muro da Vila. A praia paulistana é aqui. Nas mesinhas e cadeiras das calçadas, passa por elas o velho realejo, parando o tempo
por instantes, tira a sorte no bico do papagaio que em seguida agradece. Atores mambembes passam pelas calçadas, resgatando o antigo teatro de revistas, rapidamente encenam, passam o chapéu, sorrisos e aplausos. São nossos artistas soltos nos palcos das ruas. Mais parece a Gália de um gibi do Asterix. Na Wisard, aos domingos a tarde de frente à calçada, ouve-se um conjunto de chorinho, ao lado do Pira. Crianças e adultos descem de suas casas e apartamentos para assistir a música, passam por lá e alguns seguem assobiando o que ouviam, puxando seus cachorros ou empurrando seus carrinhos de bebê. É o riso da Vila. Nossos moradores, atentos e participantes do cotidiano do bairro, juntam-se e debatem na “Associação Vila Madá”, que briga pelo bairro, atenta a tudo que por aqui acontece. A Vila torna-se assim de todos. O respeito mútuo entre comerciantes e moradores, começa a ser agora a principal pauta a ser discutida, é preciso esse consenso.
Existe um morador que gosta tanto daqui, que quando sai do bairro, só fala da Vila, acabou recebendo o apelido de Madalena, é o grande Antônio Carlos de Fazio.
Carece perguntar à algumas pessoas o “por quê” de estarem até hoje aqui na Vila Madalena. As perguntas cruzariam o país, se perguntássemos por exemplo ao músico e ator Antônio Nóbrega, que nasceu em Pernambuco, ao escritor carioca Anthony de Christo ou a Enio Squeff, o jornalista e pintor de Porto Alegre, ou ao Penna que veio da Bahia flutuando suas idéias verdes sobre a Vila, ou ao músico Kapenga, ao cartunista Paulo Caruso, paulistano do centro ou a qualquer um destes personagens das fotos o “por quê” de escolherem a Vila para ficar. Talvez por que sabem também que a Vila “tem um jeito”. Estes e outros poucos, souberam chegar, não destruindo a nossa arquitetura, as nossas ruas, desrespeitando os nossos velhos e crianças, pelo contrário, expandiram nosso riso e enfeitaram ainda mais a cara da Vila.
Certa vez, conheci um poeta aqui da Vila, em seus plenos 20 anos e nunca mais nos separamos. Fazia seus poemas sobre a cidade. Num destes, dizia com os olhos mareados, que os postes da Vila com seus fios esticados eram como braços de violões, onde pardais vadios cantavam sobre seus fios: “Madalena, Madalena, você me encanta, eu te canto: tu me ensinas a fazer renda que eu te ensino a namorar”.