Caminho de harmonia

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Desde 2003, a ONG Ação Harmonia Brasil, com sede na Vila Madalena, vem atuando em favor das crianças moradoras de comunidade carentes por meio do Aikido, arte marcial criada pelo mestre Morihei Ueshiba que percebeu o quanto o pensamento destrutivo é fruto do medo e da ignorância. Segundo ele, o verdadeiro caminho marcial é um trabalho de amor. E Aikido é a expressão deste entendimento numa dimensão prática, já que buscar a harmonia em toda situação de confronto é o objetivo maior.
A ONG criada por José Roberto Bueno, professor responsável pela escola Aikido Harmonia, tem como objetivo participar da formação ética e moral das crianças que vivem em áreas de risco social, fortalecendo valores como respeito, confiança e cooperação. Atualmente, atende principalmente crianças do Jardim Jaqueline, Zona Oeste, mas o trabalho já atinge comunidade de outras cidades no interior de São Paulo e até mesmo em outros estados.
José Roberto é arquiteto formado pela Universidade de São Paulo (USP), mas trocou a arquitetura pela paixão pelo Aikido, do qual é praticante há mais de 20 anos e faixa-preta 4º grau. Também é colaborador do AMANA-KEY em programas de educação de gestores do setor público e privado e, convidado pela ADERE (Apoiar o Desenvolvimento Empreeder para Reforçar o Emprego), desenvolveu treinamento para jovens excepcionais que treinaram Aikido por dois anos. Sua participação em seminários no exterior também tem contribuído com a difusão da Ação Harmonia. A última delas foi em 2005, quando integrou a equipe de professores convidados para o seminário pela paz no Oriente Médio “Training Across Borders”, em Nicósia, Chipre.

Como a ONG foi criada?
Em 2000 fui convidado para levar o Aikido para três setores diferentes. Um deles foi para um grupo de jovens excepcionais. Ao acabar a demonstração ficou a vontade de fazer um projeto com excepcionais. Fiz durante dois anos. Praticamente na mesma época recebi um convite para apresentar o Aikido na periferia, no Jardim Jaqueline. Nesses locais, é constante a presença feminina, de voluntárias e assistentes sociais. Mas a presença masculina é muito fraca. Montamos os tatames, levamos o Aikido para as crianças da comunidade do Jardim Jaqueline e a primeira mostra foi para seis crianças. Ao longo da demonstração, outras foram chegando, os pais foram se aproximando. O caminho do Aikido é transformar uma situação difícil em uma situação fácil, uma situação de confronto em harmonia. E a desconfiança deu lugar à aceitação. Porém, é fácil fazer apenas uma apresentação de Aikido, mas voltar toda semana é mais complicado. Por isso, nos organizamos e começamos a trabalhar com oito crianças.

A ligação com outros Países gera apoio para a ONG?
Sim, mas um apoio muito institucional. Lá fora, eles dão um valor muito maior do que aqui. Enfim, criamos a ONG não apenas para ensinar uma arte marcial, mas como uma ferramenta de cura social. No nosso caso aqui em São Paulo, a cidade cresce de tal maneira que não se sabe mais o que é periferia. Quando falei que estava levando o que acontecia aqui para países como a Palestina, as crianças daqui não imaginavam a dimensão, onde estavam atingindo. Decidimos fazer uma integração por meio de mensagens. Cada criança daqui mandou mensagens para uma criança de lá e recebeu respostas. Imagina o que foi isso para elas? São crianças que pertencem a um projeto social, ao Aikido Harmonia e a uma comunidade internacional de Aikido.

Onde atua especificamente?
Hoje são 36 crianças aprendendo Aikido no Jardim Jaqueline, que é nosso laboratório maior. Este modelo começou a ser seguido em outros bairros e outras cidades. Há gente trabalhando em Londrina, Paraná, fazendo o trabalho, e em cidades no interior de São Paulo. O objetivo da ONG é inspirar os professores de Aikido para que se unam ao projeto e criem ramificações. A crianças retiram as mesas e as cadeiras, abrem os tatames, ou seja, isso tudo já é trabalho. Elas são uniformizadas e a idéia é dar a aula dentro da comunidade, não tira-las de lá, para criar no meio onde estão uma realidade diferente, de mais cooperação, camaradagem, esteticamente bem feita. Esses valores que são ensinados com o Aikido são também de aprendizado moral e cultural.

Quais são os resultados?
As crianças estão mais amorosas, mais calmas. O que se vê muito nas comunidades é a briga pelo espaço, as pessoas lutam para se diferenciar. É a mesma briga que temos diariamente. Um dos princípios do Aikido é manter-se sereno. Mesmo no meio da maior muvuca, manter-se tranqüilo, sabendo que tem seu espaço e que pode se mover dentro dele. Elas também aprendem a cooperação. E nas comunidades há uma certa irmandade. Aqui, somos mais individualizados do que quem vive na periferia. Quando eles montam os tatames isso ecoa. É feito na base do mutirão, todo mundo junto. Isso fortalece os valores que eles já têm na própria cultura da comunidade. Aprendem o respeito pelos adultos, pelos mais velhos, pelos mais experientes. Normalmente, rejeitamos a diferença cultural. Quando eles passam a lidar com as diferenças sociais e culturais passam a ser muito mais receptivos.

O que falta para o projeto se tornar ainda mais sólido?
Esperava que o envolvimento fosse maior. As desculpas são variadas: porque estão trabalhando, porque não têm tempo, porque tÊm medo… Mas não tem problema. Uma hora essa barra de gelo vai ser transposta. Os primeiros voluntários saíram da minha escola. A idéia é que eles saiam de várias escolas. A idéia é que faça sentido ensinar Aikido para essa garotada como uma resposta à desigualdade social, à violência, a nossa resposta para melhorar esse quadro que vivemos. Ai invés de blindar carros, se proteger, pretendemos criar um caminho melhor, de parceria. Estamos tentando também uma parceria com a prefeitura. A ONG foi aprovada para um projeto chamado “São Paulo é uma escola”. Vamos entrar com o Aikido em duas escolas municipais. As escolas são em comunidades da Zona Oeste. Serão dez classes de Aikido durante a semana. Por isso, precisamos de voluntários para cobrir essa demanda. Voluntários que dêem a cara deles para o projeto. Há outras camadas de voluntários que nos ajudam na parte administrativa, na divulgação… Mas precisamos de mais professores.

Pode-se considerar que está em crescimento?
Uma coisa é aprofundar o trabalho, outra é crescer. Nesses quatro anos a gente mais aprofundou do que cresceu. O projeto está se enraizando. Também não podemos crescer sem ter professores. Para sairmos de 36 alunos e passarmos para 300 precisamos ter professores. Na prefeitura, teremos turmas de manhã e à tarde. Em termos de crescimento, será o maior desafio nosso hoje. Por isso, sejam bem-vindos os voluntários. As comunidades precisam de gente com boa vontade e que queira levar algo de bom para elas. Não estamos jogados no meio da favela. Existe uma entidade, montada por pessoas da comunidade e que tem uma sede. Aliás, este é o objetivo da ONG, atuar em parceria com alguma associação que já trabalhe na comunidade. E para participar das aulas de Aikido, a criança tem que estar na creche e na escola. Não é um trabalho de resgate, mas de incentivo, pois quando ela sai da escola ela está sendo bombardeada por coisas erradas. É tudo muito aberto. E na ONG a criança é tratada como criança. Ela vai treinar com outras pessoas tendo resguardada a sua inocência.

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