Em uma só semana, dois homens me abordaram na rua pra pedir orientação de como se desfazer de seus respectivos cachorros. Motivo de ambos: o cão havia “crescido demais” pra área que eles dispunham para o animal viver. Um queria doar, mas alegou “não ter tempo pra ficar numa feira de doação”. O outro me perguntou qual o telefone da carrocinha pra que a prefeitura levasse o cachorro, acreditando que o CCZ cuidaria ou se encarregaria de doar o seu cão.
Pra começar, constatei na conversa que o problema começou porque os dois cometeram um equívoco generalizado: o de que só filhotes são capazes de ser educados e de se adaptar às pessoas de uma casa. Apontei dois dos meus cães que estavam comigo dando o imprescindível passeio diário. Contei-lhes que a cadela, antes de ser adotada por mim, jamais havia entrado numa casa; e o cachorro, uma ex-vítima de maus-tratos e abandono. “Os dois”, acrescentei, “são animais limpíssimos, incapazes de sujar a casa, obedientes e afetuosos, além de ótimos guardiães”. Isso não é mágica. Assim como filhos educados não prescindem da orientação e disciplina dadas pelos pais, os animais não as dispensam por parte dos donos. Ademais, por experiência própria, posso afirmar que, muitas vezes, filhotes demoram mais para aprender do que animais adultos, mesmo os abandonados ou de rua. À exceção, seja dita, dos gatos: comprovei, também por experiência própria, que se pusermos à disposição dos felinos filhotes a devida bandeja sanitária com granulado, ainda de olhos fechados eles usam apropriada e instintivamente o seu “banheirinho”. Quando amadurecem, tanto felinos quanto caninos, se não forem castrados, os machos começam a marcar território com urina. Aí entra um detalhe importante – isto se não forem devidamente castrados, como recomenda a Organização Mundial da Saúde e todo veterinário socialmente responsável. Para a OMS, a razão não é a demarcação de território, mas o gravíssimo problema da superpopulação dos animais domésticos em todas as cidades do mundo. É a escala geométrica da natalidade que leva ao massacrante número de animais indesejados e abandonados.
Constatei, mais uma vez, a desinformação de muita gente: o CCZ (Centro de Controle de Zoonozes) há anos não mais aceita o descarte de animais por seus donos. Nem o seu papel é cuidar indefinidamente de animais abandonados. Atualmente o CCZ informa a população, expõe animais pra doação – e quando adotados, preliminarmente os esteriliza. Mas os que restam, continuam sendo sacrificados. Não mais da forma cruel como na época da câmara de descompressão, mas por injeção letal. Não mais massivamente, mas um a um, conforme o atual método exige. Pensemos humanitariamente: de 2 milhões de cães e 1 milhão e 400 mil gatos de São Paulo (conforme dados do site da Arca Brasil), dos milhares que são abandonados e recolhidos pelo CCZ, “só 20% retornam para uma família”. Oitenta por cento deles têm suas vidinhas interrompidas pra sempre.
A terceira questão refere-se ao problema do crescimento inesperado de um cão. É uma surpresa comum para aqueles que preferem adotar filhotes. Do animal já adulto, com mais de um ano, o dono sabe exatamente o tamanho definitivo e as características. Vale aqui também alertar para o engodo das ilegais feiras de rua, para venda de animais. O filho de uma amiga minha comprou uma labradora filhote na feira-livre do Parque Villa-Lobos. O vendedor, é claro, afirmou que ela era vacinada. Dias depois a cadelinha apresentou os sintomas da cinomose, doença grave. Os donos, felizmente pessoas humanitárias, cuidaram devidamente da cachorrinha. Mas as seqüelas ficaram.
Combato tenazmente os gigolôs de animais. Tais feirinhas vendem filhotes frutos de pais explorados cruelmente em canís de fundo de quintal ou amontoados em banheiros minúsculos de apartamentos. Nas feiras de doação de ONGs responsáveis, da Proteção Animal, o risco é bem mais remoto. As ONGs vacinam em veterinários, cuidam e esterilizam previamente os animais que doam. Elas prezam seus nomes, trabalho passado e futuro; e, principalmente, o destino de quem protegem.