Mês passado me dei conta. Sessenta colunas; no mês do Carnaval, sessenta e uma. Numa palavra pouco usada, um lustro: cinco anos da Bicho & Companhia, em fevereiro. Dá pra comemorar ou lamentar? Fecho balanço pra saber.
Janeiro de 2000. O trabalho de voluntariado em prol dos animais de rua na Vila Madalena, pela Companhia do Bicho – tendo à frente Heloísa da Costa Alves – a pleno vapor. O Guia da Vila estava ali, o editor Kazu a poucos metros de casa, no Centro Cultural; o amigo Penna – de muitos outros carnavais, bandas, shows e MPB – contactado: – Que tal uma coluna sobre animais no Guia? Idéia aprovada; escrita a primeira; publicada. Depois dela, mais sessenta.
Muitas águas passaram por baixo da ponte do tempo. Um olho no particular, o outro no social; um ouvido na Vila Madalena, o outro no país; vem o site guiadavila.com e aí, do pequeno palanque, o som alcança outras plagas, retornando pelas mensagens recebidas de inesperadas latitudes.
Em agosto de 2000 contamos, talvez pela primeira vez em detalhes na imprensa brasileira, o horror da câmara de descompressão do CCZ de São Paulo. Em dezembro, anunciaríamos o fim deste campo municipal de morticínio em massa de animais, resultado do empenho do FNPDA (Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal). Em outubro, a coluna já recebera o Prêmio Animal de Jornalismo, concedido pela ARCA BRASIL no II Congresso Latino de Bem-Estar Animal, pelo conjunto dos artigos.
Em 2001, os detalhes dos bastidores dos rodeios eram explicitados, a luta do FNPDA contra eles; noticiamos a tentativa de retirar a proteção legal aos animais domésticos da Lei 9.605/98, por meio de um PL federal; analisamos os vetos à Lei Municipal 13.131, por parte da prefeitura, alguns deles derrubados depois.
2002 foi o ano de divulgar a luta do Movimento da Proteção animal para evitar a legalização da caça e protestar contra a tortura de cães e gatos na Coréia – trazida à baila por ocasião da Copa do Mundo. Em setembro, a perda de uma veterana lutadora do Movimento, Celina Valentino; mas logo depois o apoio daqui ao Movimento português contra as touradas.
Em 2003 publicamos artigos sobre a mutilação de cães, através do corte de orelhas, caudas e cordas vocais; cobrimos a histórica passeata de 26 de julho que foi o ponto de partida para a luta contra o envio dos animais recolhidos pelo CCZ para utilização em aulas de medicina e em pesquisas. A vitória final só viria em dezembro de 2004, mais uma vez através da atuação, na Câmara Municipal, do vereador Roberto Trípoli. Naquele ano publicamos cinco colunas divulgando dados e levantamentos sobre a utilização de animais nos porões dos laboratórios, um assunto ignorado pela mídia. Ela fala do mal causado pelos remédios, mas não toca na tortura, paga pelos animais, para que o ser humano tenha uma ilusória segurança.
No ano de 2004 mostramos sob outros prismas, também não abordados pela mídia em geral, o envenenamento dos animais do Zoológico e a chamada Lei da Biossegurança. Apontamos o casamento de interesses entre o poder público do Ceará e uma empresa às custas do sofrimento de alguns milhares de jumentos; no sul, a campanha contra o sacrifício de animais em rituais afro; a devida atuação da Polícia Federal em rinha de galo no Rio com a posterior “transferência de rotina” dos policiais que cumpriram o seu dever. Fato que Ana Maria Pinheiro, vice-presidente do FNPDA, chama de Operação Holocausto e que, diariamente, tem relembrado ao Ministro da Justiça e jornalistas através de mensagens. Ministro ou assessores não se dignaram a responder até o momento. E os advogados dos criminosos tentam agora conseguir habeas corpus para trancar a ação contra eles no Tribunal de Justiça.
Rememorando parte do que foi escrito aqui nestes cinco anos, pode parecer muito, mas há inúmeras faces da Pequena História a contar. Se o morticínio indiscriminado de animais por um órgão do município acabou, lembremos que o sofrimento persiste em milhares de outras cidades do Brasil. Se aqui os animais recolhidos das ruas não mais são transferidos para as celas e mesas da vivissecção, os quadros dessa via crucis continuam desfilando sob os olhos vendados do resto do mundo.
A autora desta coluna gostaria de falar sobre o prazer de afagar o pêlo de um animal, ver um bicho silvestre correr ou voar livre no seu habitat preservado, mas isso não é possível. Para eles, as penas superam os apelos. Não dá, em certos momentos, pra manter a chamada “imparcialidade jornalística”. Não dá pra “ouvir o outro lado” de certas questões. O “outro lado” já detém 99% dos palanques, da eficácia da Lei e do poder econômico (incluindo as isenções e os incentivos fiscais), além da heroicização da tortura, cujo exemplo mais atual é o da TV Globo com a nova novela das oito.
O título da coluna de setembro passado, “Contrapeso na Informação”, declara o que este espaço se propõe a ser. Pois apesar das batalhas – ainda quase sempre – perdidas pelo Movimento da Proteção Animal, mesmo no papel de testemunha, não posso deixar de torcer por ele. Como um anjo torto tenho, desde que nasci, um fraco pelos mais fracos.
Centenas de lustros possivelmente virão até que se cumpra a profecia de Leonardo da Vinci: dia virá em que a humanidade verá um atentado a um animal como o vê a um dos seus semelhantes. Claro, não verei esse dia. Mas dou minha mínima contribuição pra que ele chegue.