O candidato da Vila

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Kelly Monteiro

Aos 58 anos, José Luiz de França Penna, presidente nacional do Partido Verde (PV), está na disputa pela prefeitura de São Paulo pela primeira vez.
À frente do Centro Cultural Vila Madalena, Penna sempre foi ligado à cultura e arte, o que se pode constatar com a Feira de Artes da Vila Madalena, idealizada por ele há 27 anos. Nascido em Natal (RN), ele veio para São Paulo em 1969 para fazer o chamado “teatro de protesto”, em um momento em que o País vivia um dos períodos mais críticos da ditadura militar. Como ator, participou da montagem original da peça “Hair”, além de atuar como cineasta e diretor musical em diversas produções do cinema nacional.
A política entrou em sua vida por volta dos anos 1970, época em que participava como ativista do Movimento de Apoio ao Índio. Desde então já acompanhava o surgimento dos Verdes na Europa e neste período se definiu politicamente pelas questões ambientais, ingressando no PV brasileiro em 1987. O PV é um instrumento de ecologia política que tem como base a melhoria da qualidade de vida através da redistribuição de renda e da justiça social, buscando novos caminhos para a solução dos problemas mundiais.
Nesta entrevista, Penna analisa os primeiros passos da sua candidatura e as propostas para uma nova forma de governar.

Agora que sua candidatura à prefeitura de São Paulo está confirmada, quais são os planos para este primeiro momento?
A proposta é mostrar para a sociedade paulistana os nossos pontos programáticos, os entendimentos de como deve ser a administração da cidade e também estimular os nossos vereadores. Um dos nossos objetivos estratégicos é montar uma bancada de vereadores d Partido Verde para que possamos intervir na cidade de São Paulo. Eu gosto de campanha porque ela faz parte do processo de construção do Partido. Não é um devaneio pessoal, nem interesse em vínculos complicados. Para mim é uma coisa super light, tenho a mesma militância que na construção do Partido Verde do Brasil. A extensão dessa campanha é a minha candidatura à Prefeitura de São Paulo. O que não quer dizer que seja a não candidatura, essas bobagens, entende? Vamos fazer para ganhar é bom que se entenda isso. Mesmo porque dá uma certa aflição a sociedade não ter uma opção diferenciada. A pergunta “você vai votar neles de novo?” de certa maneira me estimula. Tenho tido uma resposta muito carinhosa das pessoas, até dos veículos de imprensa; a imprensa alternativa está me procurando bastante… Acho que ela vai cumprir o seu papel e nós vamos saber se temos o interesse majoritário em levar São Paulo ao terceiro milênio rapidamente ou se elegeremos os mesmos de sempre.

Mas, em que vai se basear a sua campanha?
Acho que é em pensar diferente na cidade, marcar a possibilidade de não seguir essa cronologia perversa que temos atualmente. Por exemplo, o atendimento em saúde é uma desgraça e isso é absolutamente primário. Precisamos discutir a prevenção, a saúde pública, o sanitarismo… Temos que trabalhar para as pessoas não adoecerem. Essa coisa de ser situação ou oposição, falando somente dos problemas, gera um debate pobre. Vamos tentar colocar coisas pontuais. Não quero discutir se o bilhete único da Marta Suplicy é melhor ou pior. Quero saber que opções temos para o transporte. Uma cidade como São Paulo vive hoje uma discussão sobre o transporte pluvial. Isso interessa muito e muda o conceito de transporte. Quero dar este tipo de enfoque à minha campanha. Quanto mais cedo a gente aproximar a nossa cidade do seu destino, por exemplo, de ser a cidade dos serviços, colocar São Paulo o mais rápido possível na indústria do entretenimento que compreende turismo, arte, cultura, enfim, toda essa coisa da criatividade, melhor será. Não adianta ficar discutindo se tem ou não emprego, seguindo essa coisa cronológica idiota de achar que tem que trazer indústria para gerar emprego. A forma de produzir mudou, esse tempo acabou! E é uma pena que este não seja o discurso majoritário dos candidatos. A consciência não muda. Ficam dizendo que vão trazer emprego, dizem não às taxas… Eu não concordo com isso! Acho que precisamos preparar a cidade para encontrar-se com a sua perspectiva futura. Os dois milhões de desempregados só poderão ser absorvidos em uma outra forma de trabalho e renda, mas não com o emprego tradicional porque o desemprego chegou para ficar.

Uma solução para o desemprego seria o trabalho informal na sua opinião?
Abrir novas frentes que são fontes de renda extraordinárias e distributivas como as várias formas de arte. O que significa Gilberto Gil no governo Lula é justamente chamar a atenção para essa economia nova. Foi-se o tempo em que o artista era um romântico, um parasita, coitado dele, etc… Hoje é trabalhador e gera renda. O rock, na Inglaterra, traz gera mais dinheiro do que a metalurgia. O axé na Bahia também. É mais do que a petroquímica e outras formas. Então, é nisso que São Paulo tem que entrar rápido. Essa nossa elite é muito conservadora. Acostumou-se com aquela idéia industriosa (Sic), com o modelo quanto mais feio, quanto mais galpão tiver, esgoto na rua, engarrafamento, melhor. ‘Vambora, vambora, olha a hora!’ [cantarola] Isso acabou! Esse tempo industrial horroroso não tem mais sentido aqui. São Paulo é uma bela cidade. Tenho falado por aí afora, até com certa veemência e irritação: nós todos no Brasil temos quase que um sinal mítico com relação à cidade de São Paulo. Todos, na mais tenra idade, aprendem que a Independência do Brasil, por exemplo, foi proclamada às margens do riacho do Ipiranga. E nenhum paulistano leva um visitante no riacho do Ipiranga. Aliás, o governo entubou o rio! Acabou com o riacho do Ipiranga! O Museu do Ipiranga é belíssimo, e que não é um programa da cidade, não está na nossa consciência nem nos nossos roteiros. Em qualquer outro lugar do mundo, de duas em duas horas estaria um Dom Pedro no cavalo proclamando a independência para o turista tirar fotos, gastar dinheiro favorecendo a nossa economia. Aqui, não sabemos fazer isso. Quando se fala em Jardim Botânico, se pensa no Rio de Janeiro. O de São Paulo é maior, talvez mais sofisticado do que o de lá. Mas não sabemos falar bem de nós mesmos porque isso não é um produto vendável.

Você acha que nas campanhas os candidatos apenas salientam os problemas sem propor soluções viáveis?
Sim. Só se vende problema e dificuldade. E mesmo assim as pessoas continuam vindo a São Paulo, acham que comemos muito bem e é verdade; dizem que a nossa noite é uma maravilha, rica, porque tem shows, enfim, entretenimento dos mais variados… Ainda assim a possibilidade de fazermos disso uma fonte de renda concreta ainda é muito acanhada.

Estar diretamente ligado à cultura, então, é um ponto que te favorece?
É, a minha militância sempre foi nessa área. O Gilberto Dimenstein, que acha que São Paulo deveria ser uma imensa Vila Madalena, está coberto de razão. O bairro é um protótipo da cidade que pode se viabilizar. Agora, tem coisas que podemos diminuir. Por exemplo, sou muito impressionado com esse negócio das pessoas sem dinheiro. Esses dois milhões de pessoas fora da economia são uma fonte de intranqüilidade muito grande para todo mundo. Não é possível que continuemos sem uma política de estimulo à produção. Hoje, quem é louco de abrir um negócio? Mesmo que seja uma indústria criativa de instrumentos musicais ou outras coisas que tenham perspectivas. Como se faz isso com os custos que incidem sobre essas coisas, com o custo do transporte? Precisávamos ter uma política de incentivos nas mais variadas frentes. Por exemplo, vivíamos dizendo que teríamos dificuldades com a energia elétrica até o dia em que teve o black-out e todo mundo lembrou que o Partido Verde já havia dito que isso aconteceria. E não é possível não termos uma política que estimule as pessoas a trocarem a matriz energética da eletricidade para o gás na questão do banho. Se conseguíssemos fazer uma política razoavelmente importante iríamos conseguir baixar o consumo de energia elétrica em São Paulo entre 30 e 40%. E se trabalha a carga de energia elétrica para o pico! Durante o resto do dia se joga energia fora. Se conseguíssemos tirar o banho quente desse pico, iríamos ter um alivio da pressão sobre as terras agricultáveis para fazer hidrelétricas. E estão fazendo pressão para reativar o nosso parque de energia nuclear, o que é uma loucura completa! O mundo todo está se livrando disso e estão querendo incentivar essa maluquice. Vejas quantas coisas a prefeitura de São Paulo poderia estar fazendo. No entanto, o sentimento conservador tem medo de discutir diferentemente, interromper uma linha de pensamento. Eles têm pânico disso. A minha candidatura vai nesse sentido, de dizer que dois e dois podem ser 22, e que o futuro aguarda um monte de encaminhamentos diferenciados.

Já que falou em transporte, o que faria para melhorar o problema do trânsito na capital?
Não é possível que os nossos meninos, agora esportistas da bicicleta, ainda tenham que viver se misturando ao trânsito da cidade. Não temos ciclovia. É possível criar ciclovias para as pessoas, principalmente as mais carentes, irem para o trabalho. Em muitos lugares do mundo as coisas acontecem desse jeito. Aqui ficamos escravos do automóvel. Vemos em muitas administrações, nessa última inclusive, abrindo-se artérias rumo ao centro da cidade. Isto é um erro. Estive em Roma e há as mesmas ruas de 200 anos, estreitinhas, sem calçada, dificultando o transporte individual. O investimento se dá em transporte coletivo, se preservando a região central da cidade.

Quatro anos é pouco tempo para se colocar em prática projetos deste tipo, mesmo quando se trata de conscientização?
Mas é a loucura de ter uma idéia de Estado intervencionista, poderoso, que regula tudo. É uma coisa que temos que enterrar. O Estado faz política e política é uma coisa que compreende a sociedade. Precisamos ter o poder e o crédito para mudar conceitos, mudar o paradigma e é isso que a gente não consegue. Se houver estímulo para as pessoas mudarem a matriz elétrica da sua casa para o gás, se diminuir uma bobagem no IPTU, elas vão fazer. No entanto, o Estado não acredita na cidadania, no movimento organizado da sociedade. Agora mesmo tem um movimento aqui no bairro dos moradores cujos filhos foram assaltados no caminho para a escola. O senso comum diz que é preciso ter mais policiamento, reunir grupos de estudantes para irem para a escola. Não é esta a posição dos moradores. Eles querem é colocar mais gente nas ruas porque o vazio das ruas é que sugere a facilidade para esse tipo de contravenção. Está começando a existir uma consciência nova. Segurança é gente na rua! É pensar com todos que estão dentro do processo produtivo na economia e os que estão fora para tentar incluí-los.

Está se referindo à economia informal?
Quando a isso o Brasil é um país único. Temos raiva da economia informal, mas é 50% da economia do País. Devemos ter é capacidade de seduzi-la porque uma entrada desse montante na economia pode resolver problemas da seguridade social, entre outros. Também é fundamental acabar com essa coisa imperial que é ser o prefeito de São Paulo. Não existe poder igual ao do prefeito de São Paulo. Ele incide diretamente sobre a vida de mais de dez milhões de pessoas. Também não existe uma Câmara Municipal com o poder que a de São Paulo tem. As subprefeituras são de fato subprefeituras quando passam a ter dotação de verbas e os seus representantes são eleitos. Então, cada uma tem que ter a sua própria Câmara. Podemos discutir se mantemos uma câmara alta, como se fosse o nosso senadinho, mas ela não poderá ter o poder que tem a atual porque vira um balcão de negócios, é extremamente inoperante, o poder não chega, não tem capilaridade. Cada bairro tem o seu conjunto de vereadores. A única forma de termos mais agilidade é o poder estar mais perto das pessoas. Todo mundo sabe disso, mas ninguém se elege e deixa o poder, sempre adia para deixar a batata na mão do outro porque é fascinante você ter o poder sobre o orçamento de São Paulo. Afinal, é o terceiro orçamento do Brasil. Tem o orçamento brasileiro, o do Estado de São Paulo e o da cidade de São Paulo. Imagina o que é um negócio desses! Tem que dividir! Isso é uma coisa que o Partido Verde pode e deve incluir na discussão da cidade.

Qual a sua proposta para melhorar a qualidade de vida na cidade em relação ao meio ambiente?
Essa questão do ar é uma loucura. Como se pode, numa cidade dessas, manter o transporte a diesel? Por que não há uma intervenção política forte no sentido da mudança? Não é baixar um decreto. Temos que convencer. Como o fumante é responsável ao fumar pela qualidade pulmonar das pessoas que estão ao seu redor, o proprietário de um caminhão a diesel desregulado também é. Ele tem que compreender isso. As nossas empresas de ônibus têm que compreender isso. Tem que ter ação política, capacidade de convencimento e ofertar outras possibilidades. O gás não pode ficar ao preço que está e nem pode ter dificuldade para recarregar. Não é possível comprar carro a diesel só por que é mais barato. Qual a responsabilidade que você está tendo com o seu semelhante? É melhor ter um carro a álcool. Politicamente, a elite conservadora não acredita nisso. Ela luta para ficar lá os quatro anos e esse tipo de projeto não dá voto, cria dificuldades. Todo mundo acha que essa coisa de meio ambiente é perfumaria.

Em pesquisa do Datafolha feita com 1.083 entrevistados, em junho, você tinha apenas 1% das intenções de voto. Isto te desanima?
Absolutamente não. Acho que as pesquisas são reais porque o primeiro trabalho nosso foi falar do PV. Agora irei me ligar ao Partido e às coisas que faço e transformar isso em domínio da sociedade. É a grande tarefa. Mas estou super animado. Acredito que antes do programa de televisão, assim que pudermos começar a fazer um trabalho sistemático iremos avançar. Naturalmente temos dificuldade de estrutura, o que também não me assusta porque, às vezes, muita estrutura atrapalha, o cara fica pensando que é apenas uma questão de recursos, que tem um tanto em cofre e isso naturalmente se transformará em votos. Não é assim. Queremos é dizer para a sociedade que existe um pessoal que diz sim ao futuro, que acredita no futuro e tem como caminhar.

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