Por alguns dias a mídia se ocupou do assunto: marketeiro de presidente e candidatos do PT é preso por ser flagrado em briga de galo. Liga para o Ministro da Justiça explicitando sua ligação com o poder; diz que seu hobby (crime de crueldade contra animais) é assunto particular; vai além e, com a maior naturalidade, afirma que “todo mundo sabe disso”. Já que sabemos das balas perdidas e achadas, dos seqüestros rapidinhos, dos pedófilos (afinal alguns usam batina), vamos todos nós anistiar seus agentes e – quem sabe? – participar da geléia geral.
Colunistas, de vários matizes, opinaram. Cora Rónai, em O Globo, travestida de Baronesa de Itararé, deu aula de ironia em artigo sobre a personagem. Maria Lúcia Dahl, no Jornal do Brasil, fez a oportuna ligação da violência contra animais com a violência global reinante. Outros articulistas tentaram justificar as pequenas arenas para espetáculo de grande horror como “manifestação cultural”. Já assistimos esta farsa em outros cenários: farra do boi, rodeio, tourada… Mas o roteiro desta ficção é perigoso. Pode se transformar em filme documentário. Rodeio, através de PL de um membro do PT, foi elevado à categoria de esporte há cerca de dois anos. Agora, um deputado baiano do PFL surge do anonimato e quer legalizar as rinhas. Do que se constata que a crueldade contra animais é supra-partidária.
Mesmo sendo supra-partidária, tentaram vestir a Polícia Federal de marionete entrando no palco às vésperas da segunda cena, desculpem, segundo turno. Mas afinal, quem puxa os fios da marionete? O diretor do espetáculo ou alguém da platéia pode entrar e interferir? Pelo que se sabe, os cordões são de difícil manipulação para amadores. E o diretor não gosta que, magicamente, os bonecos ganhem vida própria. Tanto que certa parte da platéia há longo tempo sofre, se emociona, dá sugestões de uma boa trama com final feliz e quase nunca termina satisfeita.
Esta minoria também quer mostrar para a maioria o que os atores considerados de segundo escalão passam nos bastidores: olhos vazados, corpos dilacerados, condicionamento físico doloroso, a agressividade gerada pelo confinamento em espaços mínimos. A origem e o destino obscuros dos milhões jogados nas apostas. A necessidade que passam os filhos de viciados pobres que apostam nestes bastidores sangrentos. O engano de se pensar que o vício ilegal e imoral é coisa de abastados. Aquela maioria às vezes se dá conta da via de mão dupla que é a relação homem/atores de segundo escalão: quando o pitbull condicionado ataca, quando o touro enlouquecido de fome e laxantes ousa se insubordinar contra o toureiro que ergue a arma perfurante, quando o peão é pisado pelas patas do boi que tem os genitais esmagados pelo sedém.
Engana-se quem pensa que a questão legal não implica a moral. No parecer de um Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo encontramos esta citação de Paulo Lúcio Nogueira tirada de sua obra Contravenções Penais Controvertidas ( 3a. edição, pág.199): ( o autor) “…..divide a questão sob dois aspectos, o jurídico, e nesse sentido refere-se ao art. 64 da LCP, e o moral, asseverando com relação a esta última categoria: ‘sob o aspecto moral, embora o animal não seja pessoa, merece ser tratado como criatura …..’ ”. A citação é longa, mas vale ver o que diz P. L. Nogueira adiante: “Não é normal preparar galos para espetáculos públicos, onde os animais brigam até morrer, enquanto os homens se divertem e apostam insensíveis à sorte do animal.”
O Promotor de Justiça conclui seu parecer dizendo: “….. não somente constituem delitos as condutas mencionadas, como devem ser severa e exemplarmente punidas, primeiro por tratar-se de um dever do Estado e em segundo porque, além de constituir uma postura moral, é preciso educar a população brasileira no sentido de respeitar o meio ambiente como um todo, meio ambiente de que nossos companheiros animais também são parte integrante.”
Companheiros animais. Parece frase de um protetor. Pois é, talvez desta vez a minoria da platéia, se agüentar a fila, assista a um final feliz. E – quem sabe? – os atores coadjuvantes sejam tratados como criaturas e não como objetos do cenário.