A Vila já teve um faraó

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Estamos tão acostumados ao sucesso que ninguém registra o que não deu certo na Vila Madalena. É quase próprio do ser humano só lembrar o que foi importante, principalmente se ele é o herdeiro, a figura central da epopéia. Aí serve de tema em muitas conversas… “Fiz isso, fiz aquilo”, nas mais variadas situações.
Remexendo meus arquivos achei um desenho do Cândido Malta, urbanista que traçava o que deveria ser um calçadão. A ficha caiu. Era parte de uma luta contra a verticalização que empreendemos nos anos 1980. O prefeito era o Jânio Quadros, que hoje, acho, propôs todas aquelas intervenções (a duplicação da Natingui, por exemplo) apenas pelo prazer de provocar a inteligência paulistana. E cerramos fogo contra ele, o que resultou no primeiro plano diretor feito pelos próprios moradores. Vejam que a Vila, nos anos 1980, já era demais!
Porém, no meio dessa luta contra os prédios e contra Jânio, também éramos sensíveis aos modismos daquele tempo. Como podia o nosso pedaço não possuir um calçadão? Era humilhante! E partimos para o projeto de fazê-lo em dois trechos da rua Wisard. Um ficava entre a Fidalga e a Fradique. O outro, desta até a Mourato Coelho. Foi um debate duríssimo. Teríamos que deslocar o ponto de táxi para a Fradique. Uma loja de confecções da Hering que existia naquele trecho rebelou-se. A própria Pacheco Imóveis não gostou e olhe que eram simpáticos ao nosso movimento, nas outras questões. Nem o desenho do Cândido, nem nada, foram capazes de fazer o calçadão andar. Fomos derrotados em tudo naquela ocasião, pois os prédios também cresceram com força total.
Outro trauma era não termos um bloco carnavalesco condizente com as nossas arruaças. Tinha a Pérola Negra, uma linda escola de samba. Alguém viera do Rio de Janeiro e achava que a Banda de Ipanema era a cara da Vila. Outro citou o Pacotão de Brasília e sobre essa pressão toda se criou o “Sacuda Vila”. O carnaval da Teodoro Sampaio era um desfile concorrido com palanque de autoridades e tudo. Decidimos participar e elegemos Pedrão Vieira nosso carnavalesco maior. Kuja trouxe um carro anfíbio que até hoje não sabemos direito como e porque o transformamos em carro alegórico. Talvez uma brincadeira irreverente sobre as enchentes da nossa cidade. Não sei. E o samba enredo então! Aí o bicho pegou. Entre a Fidalga e a Wisard se descobriu a tumba do faraó. Não fosse a curiosidade dos neguinhos que começaram a cavoucar, não teríamos conhecimento até hoje da mais enigmática exclamação: “Que porra é essa!”. E fomos à Teodoro com o nosso faraó incorporado pelo saudoso Piriri. Isso foi em 1984. Faz 20 anos. E neste ano estamos fazendo a Feira da Vila para lembrar um bloco e, principalmente, um samba enredo premonitório. Estamos vivendo um tempo tão confuso que só agora o faraó da Vila Madalena pode ser avaliado na sua profundidade. O bloco não tinha dado certo, mas ”que porra é essa” é a chave para entendermos as coisas hoje.

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