A felicidade de quem vive de nada

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Estou voltando de Dakar, no Senegal. Encantou-me o nível de gentileza e alegria de toda a população. Convivi com uma sociedade pré-industrial e contemporânea. Uma imensa desarrumação, com o comércio praticado nas calçadas, vendendo desde carros a móveis e quinquilharias mais diversas. Um cenário agônico, contraditório com a fina paisagem humana. Fiquei pensando o tempo todo em nosso país, com infinitas melhores possibilidades, mas o traço perverso do medo e da intolerância.
Fiquei tentando arrumar essa equação entre bens materiais e a felicidade e não tive êxito, fiquei sem saber se era direta ou inversamente proporcional. Fiquei pensando nas imagens dos pontos de ônibus na hora do rush no Largo da Batata, em Pinheiros, enquanto via aquelas pessoas belíssimas andando nas ruas da cidade africana. A penumbra dos botecos senegaleses, com snooker e cerveja Gazela, transmitiam mais cordialidade que os iluminados bares da noite da Vila Madalena.
O Brasil vai perdendo a referência forte que exercia sobre a África, sendo substituído agressivamente pelo capital asiático, notadamente a China.  Não temos nenhum voo direto para Dakar, embora tenhamos relações políticas com o Senegal desde 1850). Um voo direto de São Paulo a Dakar, que duraria quatro horas, se transforma em uma jornada de 14 horas com escala em Lisboa. Estive por muitas vezes com nossos representantes da embaixada, todos incrédulos com a desleixada diplomacia brasileira.
Apesar disso, ainda vi muitas pessoas usando camisetas da seleção brasileira, e não só jogadores de bola estão no imaginário da população. Vi referências à música baiana, de Carlinhos Brown ao Olodum, e à nossa culinária, da maniçoba ao acarajé. Do ponto de vista político, a situação foi derrotada pela oposição e a passagem do governo, de forma pacífica, trouxe a ideia de uma democracia consolidada.
Conversei com muita gente local, enfrentando a barreira da linguística, com o francês como língua oficial e alguns dialetos africanos se alternando. Numa conversa com um jovem político, ele traduziu o desafio africano: “queremos nos desenvolver, criar melhores oportunidades de trabalho e renda sem perder a nossa felicidade”. Enfim, voltei com a certeza de que, ao entender a África, nós vamos resolver alguns enigmas da sociedade moderna, além, é claro, de entender melhor a nossa cultura. Essa opção de uma sociedade de consumo deverá desprezar as possibilidades de sermos felizes?

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