O Homem Cavalo

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A noite caia sobre a tarde na Vila. Dois amigos e um jogo de dominó dividiam o espaço da pequena mesa entre copos e cerveja no boteco do Julião na Fradique. No fundo do bar, na mesa de sinuca Piriri e Nica disputavam a conta. Mineiro no canto lendo o jornal Notícias Populares, enquanto eu via do balcão um bando de mariposas rodeando bêbadas a luz do poste, ainda uma luz fraca e amarelada, feita uma página velha de um livro antigo. De repente, do nada, faíscas saíam dos paralelepípedos da rua formando uma crista de galo iluminada. Ferro raspando pedra. Relinchos em altos brados cortavam o silencio daquela noite do passado. Todos nós mudos e assustados ficamos atentos assistindo. É o Homem Cavalo, disse Julião. Nunca havíamos até então visto aquela figura, que ao passar sob a luz do poste vimos aquele homem com um rabo de cavalo preso ao seu cinturão, um par de botas com ferraduras no calcanhar, que batiam nas pedras com força, um cabresto sem o bridão e o freio, nas costas uma sela adaptada, rédeas nas mãos que estendiam pelos ombros e caiam nas costas. Passou assim, galopando. O Mineiro deixou o cigarro cair sozinho da boca aberta, Piriri murmurava, é o capeta, capeta… Os demais como eu, apenas nos olhávamos.

Na manhã seguinte ficamos sabendo de muita gente que já o havia visto. Capenga certa vez conversou com ele num ponto de ônibus e disse se tratar de uma pessoa meiga, tranquila. Na época, meados da década de setenta, oitenta, os motoristas dos ônibus abriam a porta da frente para ele não pagar. Percorria assim todos os bairros da capital. Saía de Carapicuíba, ia até o Mercado da Lapa, de onde comprava milho e dizia que era para os seus amigos cavalos e que os amava muito. Levava milho para os carroceiros da Vila dos Remédios, Pinheiros, Vila Madalena e outros tantos lugares, sempre imitando cavalo e se trajando como tal. Diziam que entrava no matadouro de Osasco, no meio do gado e dava trabalho para os peões tirá-lo de lá. Era um sujeito alto, forte o bastante para intimidar donos de animais maltratados. Relinchava em altos brados.

Nunca mais vimos o Homem Cavalo. Há ainda os que acham que nunca existiu. Esse mundo de hoje anda muito duvidoso, disse o Saci baixinho, no ouvido do amigo Mouzar Benedito.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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