“Sou de uma geração que havia drogas e não havia drogado, porque éramos viciados em utopia, injetávamos utopia na veia. Hoje, quanto menos utopia mais drogas, quanto mais utopia menos droga. Enquanto essa garotada não tiver um projeto histórico, uma utopia, tudo se interrompe. Não é me gabando, mas nossa juventude discutia filosofia na mesa de bar, Sartre, cinema novo, Truffaut, Antonioni. Assim como para Nietzsche existe a porta do absoluto, para o drogado há a porta do absurdo, que acredita que a felicidade está dentro e não fora, único problema entre eles é a porta de entrada.”
Esse é um trecho que pesquei da entrevista que fizemos recentemente com o escritor Frei Betto sobre um livro e documentário que estamos fazendo (Paulo Moraes, Vagner Homem e eu) sobre o psicanalista Roberto Freire. Frei Betto, amigo e companheiro do “Bigode”, como era chamado, ambos lutaram contra o período da ditadura militar no Brasil. Foi o Bigode que apresentou o jovem Chico Buarque a João Cabral de Melo Neto em “Morte e Vida Severina”, foi o principal criador do Tuca, participou como jurado na época dos Festivais da Canção, criou a Soma, terapia baseada no contexto anarquista, participou da revista Realidade, e da fundação da revista Caros Amigos, isso tudo naquele tempo de cárcere, torturas, assassinatos, perseguições, exílios e frustrações.
A esses jovens senhores e tantos outros que já partiram, deixam rastros vanguardistas, de teimosias e caminhos libertários ainda a serem redescobertos e seguidos por gerações, para finalmente ressuscitar e direcionar nossa vitalidade para criar e trilhar numa constante transformação coletiva da vida e do lugar que vivemos. É isso.
Finalizo com o início de um poema que fiz na década de 1980: “Levarei comigo sempre minhas utopias. Como quem arrasta uma cordilheira inteira por todos os mares. Este mundo não é dos fortes, tão pouco dos fracos, pertence aos sonhadores e a todos os sonhos impossíveis.”
Por Pedro Costa
pedrocosta.pira@uol.com.br