“Todo artista tem de ir aonde o povo está”. Esta célebre frase de Milton Nascimento ilustra bem a proposta do projeto “O Autor na Praça”, que ao comemorar cinco anos de atividades abre espaço para “Os Autores da Noite”, escritores que promovem a literatura através da apresentação de seus livros diretamente ao leitor.
Eles são poetas e cronistas, contadores de histórias reais ou fictícias que cumprem todo um ritual: escrevem, editam e vendem seus livros circulando pela noite paulistana, na Vila Madalena, em bares, teatros, faculdades, casas de espetáculos, eventos e espaços culturais, via telefone e e-mail. Preste atenção porque você com certeza já deve ter cruzado com um deles por aí.
Ernani Maurício Fernandes, por exemplo. Formado pela Faculdade de História da USP, ele atua como produtor cultural e acaba de lançar seu oitavo livro “Apocalipse Zen”, publicado pela Íbis Libris Editores do Rio de Janeiro. Ernani faz um estudo histórico e filosófico da Segunda Guerra Mundial à Osama Bin Laden através da sua vida pessoal e impessoal, como diz. A carreira dele começou nos anos 1970, época da chamada “Poesia Marginal”, quando escritores publicavam e vendiam seus próprios livros. “Essa é uma prática que gosto muito”, diz ele, reconhecendo que devido à política financeira de livrarias e distribuidoras os livros encarecem muito para o consumidor. “Por isso, a venda pessoal nos aproxima das pessoas e as instigamos a ler”.
Mas nem todos têm a sorte de conseguir que uma editora publique seus livros. É o caso de Amandy da Costa Gonzáles. Ela faz suas poesias chegarem ao leitor com o apoio da Epidemia do Livro, projeto que visa tornar mais acessível a publicação de trabalhos de escritores desconhecidos e com poucos recursos financeiros. Em formato de bolso, “Rama.Gem” e “Fruta” apresentam um detalhe interessante na contra-capa: “Este livro PODE ser copiado, reproduzido e distribuído gratuitamente”. Amandy nasceu no Paraguai e veio para o Brasil em 1985. Cursou Filosofia na PUC, mas não pôde completar o curso. Engajada em movimentos culturais sentiu necessidade de divulgar seu trabalho como escritora, mas esbarrou na burocracia das editoras. “Passei a fazer como outros poetas. A intenção não é apenas vender livros. Declamamos um poema, chamamos a atenção do público porque a poesia não tem espaço, não é pensada como forma de entretenimento”, lembra.
Quem também conhece bem o que é ser um “Autor da Noite” é Laerte Vicente. Escritor há 25 anos, ele começou na própria praça Benedito Calixto, participando da Lira Paulistana. Laerte, que também é divulgador cultural de artistas como Itamar Assumpção e do grupo Língua de Trapo, aproveitava os intervalos dos shows para colar suas poesias impressas em pequenos cartazes nos postes da cidade, em qual estivesse. “Naquela época, nem pensávamos em fazer livros. Escrevíamos em cartolina e pendurávamos em um varal poético”. Seu último livro, “Babel – A Confusão Humana”, foi traduzido para o espanhol e levado para outros países, além de contar com prefácio de Jorge Mautner. O “Poeta Andarilho”, como ele mesmo se intitula, lembra que “de literatura não dá para se viver no Brasil”. Da mesma opinião é Valmir Inácio Júnior, autor de “Cartada ébria de um certo Inacioval”. O poeta bem humorado observa que a poesia sempre foi “a prima pobre” da literatura. Ou seja, poetas que hoje são considerados fundamentais começaram da mesma forma por causa da chamada resistência cultural: “As editoras médias e grandes não demonstram interesse em lançar livros de novos poetas e para que nossos textos não se amarelem com o tempo, pesquisamos preços e formatos para baratear nossa obra que chega fundamentalmente à mesa dos bares da cidade”. Ele observa que a Vila Madalena é um local boêmio e por esse aspecto deve ser explorada culturalmente. Viver de literatura? “Dá para alimentar a alma porque o grande escritor é acima de tudo leitor. Viver do que escrevemos confesso que realmente é algo inviável”.
Essa dificuldade de acesso às editoras também é observada por Elias Pereira, autor de “Os olhos destingidos”, um livro de crônicas, poesia e contos. Para ele, os altos preços dos livros afastam os compradores e a venda direta, ou caseira, como costumam chamar, “testa nossa capacidade de inventar, escrever, produzir e vender diretamente ao público”. Para ele, a Vila Madalena é o grande reduto da diversidade na capital. “Sair pela noite, observar, conversar e convencer pessoas a comprar nossos livros é uma forma gratificante de viver”, acrescenta.
Além de participar de diversos saraus pela noite paulistana, Juraci Silva é mais um adepto da venda direta ao leitor. Ele começou a escrever poesia aos oito anos de idade e da paixão pela literatura já nasceram quatro livros. O último, “Os Imprescindíveis”, foi lançado em 2002 e nele Juraci mostra sua maturidade poética. Um dos fundadores do projeto Autor na Praça, o escritor já vendeu cerca de oito mil livros apenas circulando por bares, espaços culturais e afins. Ele, assim como os outros, é um bom exemplo para quem está começando a se lançar nessa batalha. É o caso de Teka Reis que prepara seu primeiro livro, “O ano passado em lugar nenhum”. Ela sabe que não é fácil viver da literatura e destaca a importância do incentivo à prática da leitura. A produção do livro está sendo totalmente independente, assim como foi com o “Ensaio sobre a Terra”, de Rebecca Frasseto, editora do Jornal da Praça, distribuído na Benedito Calixto. “Divulgo meu livros quando participo de recitais, aqui na praça e em alguns pontos de venda. Admiro quem vai para as ruas vender seus próprios livros, mas não sei fazer isso”, admite.
Todo artista tem de ir aonde o povo está. Passo a passo, caminhando em busca da realização de um sonho, esses Autores da Noite fazem da literatura poética seu estilo de vida. A Vila Madalena, cada vez mais intelectualizada, agradece!