Pedro Costa: Tempo de chuvas

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Fico olhando a chuva que cai. Décadas já se passaram e ainda não deixei a tentação infantil de desenhar em vidro embaçado, cujos mesmos desenhos até hoje não evoluíram, continuaram intactos no tempo, tal qual como um Peter Pan que se nega a crescer.

Neste instante chove lá fora, vejo pela janela, surgir lá do passado um carro em minha direção. É o Sinca Chambord da família, não resta dúvida. Vem espalmando poças de chuva da rua de paralepípedos enquanto mais e mais água cai sem piedade das escuras nuvens paulistanas. Meus irmãos de olhos arregalados com as bochechas encostadas nos vidros das janelas do Sinca assistem o corre-corre dos bondes, o rangido das galochas e o enrosco de guardas chuvas na Barão de Itapetininga, enquanto meu pai tenta enxergar através do para-brisa, limpa com a manga do paletó, que agora de fora vejo seu rosto aflito. Vó Júlia ao seu lado. Sempre mandona, atenta a tudo. Eu absorto, desenho.

Não mais que de repente, o limpador do para-brisa deixa de funcionar. Aliás, nunca vi em toda vida um carro que quebrasse tanto como o Sinca. Meu velho pai sempre contava essa história para os amigos: “De tanto o Sinca quebrar, costurei a placa dele na borda do paletó, de tanto empurrar o esse carro”.  E de fato, isso de quebrar acontecia em toda saída desse
automóvel da garagem. Lá ia o Nerso, exímio motorista, como já contei sobre ele aqui, dirigindo durante a semana e nos fins de semana, meu pai.

Chuva que Deus mandava limpador para de funcionar. Minha Vó, sempre ligeira nas ideias, puxa da bolsa um rolinho de barbante. Debaixo da forte chuva amarramos uma ponta em cada haste do limpador. De um lado, no banco de trás meu irmão puxava o barbante pela fresta do vidro, o limpador subia, de outro eu puxava, o limpador descia. A chuva apertava e a gente acelerava o puxa-puxa. Diminuía e nós também.

Aos poucos o velho Sinca entra na garagem do velho sobrado. Exaustos, os sorrisos foram se diluindo lentamente na fina garoa da janela, enquanto guardava de volta essa cena à garagem da minha
memória.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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