O uisquecimento

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Chega um momento em que apenas esquecemos aquela rua, o nome de alguém ou um lugar qualquer. Não se trata mais de dizer “esqueceu, era mentira”. Na verdade é que se trata de puro esquecimento mesmo. É a memória escondendo a lembrança em algum canto do cérebro que apagou a legenda da foto por sacanagem e deixou só uma vaga imagem sem nome da coisa ou do lugar. 

Muitas vezes a falta de memória pega um trem sem rumo e vem em vagões de esquecimentos encarrilhado um no outro sem parar em nenhuma estação. –“Então, vocês sabem aquela rua a… Fica ali no bairro do… Perto da… Em frente ao… Orra, lá onde mora aquele nosso amigo, o… Enquanto isso os ouvintes, já aflitos, vão chutando nomes e lugares possíveis e não acertam nem na trave. O assunto estaciona. De repente, bate uma súbita lembrança e o nosso locutor desmemoriado parece lembrar e interrompe o papo de novo: – Já sei, lembra daquela menina a… Filha do… Amiga da… Que mora ali, naquela avenida perto da… Do lado daquele mercado grande, o…Nessa altura, a roda de amigos vai se dissolvendo. Cada um vai saindo à francesa, talvez por receio que seu nome também tenha embarcado no mesmo trem insano do nosso amigo. Até que no balcão fica apenas ele e o dono do boteco lavando os copos com pressa e com medo que o falante esquecido puxe assunto com ele.

Agora dá para ouvir melhor a música do Chico que sopra da pequena caixa de som entre a prateleira de bebidas e a geladeira: “Guardei na memória, mas esqueci a senha…”

Enquanto fico pensando onde teria parado meu carro ou se cheguei ali a pé, opto por pedir um taxi e a saideira.

Na dúvida, perguntei antes ao dono do boteco se eu já havia acertado a conta. Ele demorou um pouco e disse, não. Indaguei: não o quê? Que o quê, rapaz? Bafafá, discussão, deixa disso, empurrão, 190 e chega a polícia. Os dois pra delegacia. O escrivão me pergunta: – “Onde é o bar?” – Fica ali na… Do lado do… Em frente ao…

pedrocosta.pira@uol.com.br

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