Dentro da arena, os entusiastas explodem numa vibração ufanista e vestidos de verde e amarelo bradam a plenos pulmões o hino nacional. Os onze gladiadores em campo se juntam ao coro, cantando como quem está prestes a encarar uma batalha mortal.
Perto dali, logo depois dos cordões de isolamento que delimitam o “território da Fifa”, o som é de tiros de bala de borracha e de coquetéis molotov explodindo, criando a imagem tão buscada pelas lentes do fotógrafo. Tenho certa dificuldade de entender o significado do fogo em qualquer manifestação de insatisfação. É quase como se, sem fogo, não houvesse protesto.
Não muito longe, sentada no sofá de casa, uma maioria silenciosa subversivamente torce contra a seleção brasileira. O eterno motivo de orgulho nacional recentemente se tornou uma vergonha, um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento do país. E a frustração fica latente quando, com menos de dois minutos de batalha, um ensurdecedor grito de gol irrompe no Maracanã.
Do lado de fora, o ruído se mistura com as palavras de ordem e mais explosões. Alheia ao jogo, a senhora do apartamento vizinho ao estádio só quer saber de correr para fechar a janela e impedir que o gás lacrimogêneo entre. Enquanto ela se lamenta por ter sido impedida de sair para a igreja, o marido, no sofá, vê um milagre diante de seus olhos. “Como o David Luiz tira uma bola dessas?”
Antes mesmo do apito final, a maioria justifica o resultado como um jogo de cartas marcadas, mais bem coreografado que um espetáculo do Circo da China. “Sergio Ramos não perderia aquele pênalti. A vitória foi comprada, e com dinheiro dos cofres públicos!” Na rua, os últimos torcedores deixam o estádio gritando. “Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor!”
Pluralidade de pensamentos é assim. Isso é bom, mostra que vivemos uma democracia. Minha única certeza é que bom mesmo é ter liberdade de poder dialogar com vocês.