Barba, cabelo e história

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Apesar dos dias de árduo trabalho na barbearia, tive a sorte de crescer em um bairro onde as pessoas eram unidas, todos se conheciam e tinham o hábito de se ajudar. Os portugueses eram muito numerosos neste início de Vila Madalena: eram os principais donos das vendas, mercearias e bares. Os japoneses cuidavam das tinturarias. Nas ruas sinuosas de terra demarcadas entre uma chácara e outra, estas culturas se tratavam de forma muito cordial e era grande o clima de amizade. Eu lembro de chegar a ficar irritado de tanto que eu e meu pai tínhamos de cumprimentar quem passava. Era o tempo inteiro alguém dizendo “bom dia Álvaro!”, “bom dia seu Zico!”.
Lá fora, vez ou outra era possível ver passarem carroças com frutas e legumes empilhados sendo transportados para o então Mercado de Pinheiros. O clima era de tranqüilidade total. Para se ter uma idéia, o maior medo das pessoas quando precisavam subir da Natingui rumo a Heitor Penteado era o de cruzar com algum saci ou fantasma no meio da escuridão. Por isso, era comum que ficassem esperando umas às outras até serem formados pequenos grupos para fazer o trajeto. O medo de bandidos nem passava pela cabeça.
Minha família está na Vila Madalena desde 1900, quando meu avô materno veio da Espanha e adquiriu uma chácara no bairro. Quando eu nasci, em 1943, meus pais decidiram continuar vivendo por aqui. Posso dizer que minha família é uma das mais antigas da região. Hoje moro próximo da rodovia Raposo Tavares, em Cotia, mas confesso que é quando venho para cá que me sinto verdadeiramente em casa. Comando a barbearia que foi aberta pelo meu pai em 1947 – e que depois passei para o meu nome, assumindo o negócio. Eu comecei a trabalhar em 1952, aos nove anos de idade. Era tão pequeno que para ajudá-lo com os clientes precisava subir em um caixote de papelão.

Pelada de estrelas

Na juventude, tínhamos uma fonte vital de diversão: o futebol. O “Leões do Morro da Vila Madalena”, time que criamos e do qual eu fui dirigente, ficou conhecido na cidade inteira. Para que se tenha uma idéia, em 1971 participamos de um campeonato com mais de 400 equipes de todos os bairros da cidade. Não apenas vencemos como saímos invictos. Para nós era um orgulho e uma alegria porque os jogadores eram os moradores do bairro, os operários, o leiteiro, o padeiro, o mecânico. Era uma pelada de estrelas. Meu amor pelo futebol é tamanho que o nome que decidi dar para a minha barbearia, Barbearia Estrela, vem de um outro time do bairro, o Estrela da Vila Madalena.
O nosso time acabou, eu me casei e me mudei daqui para cuidar da minha família com mais autonomia. Mas venho para a Vila todos os dias trabalhar, fazendo o que amo. Apesar de hoje não dar tantos “bom dia!” quanto antigamente, ainda fico feliz por perceber que neste bairro as pessoas são sorridentes, nada carrancudas, o que faz da Vila um lugar muito acolhedor, mesmo com todo o crescimento.

Colabororação: Deca Pinto

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