Pedro Costa: Menino Zésus

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Era final da década de 70 quando o avistei pela primeira vez. Barriguinha d’água, nariz escorrendo, olhar distante sobre o horizonte (lá onde nascem todas as utopias). O local era a favela Buraco Quente. Nos cafundós do aeroporto de Congonhas, curiosamente onde Judas perdeu as botas, lá estava Zésuz em close, diante da minha câmera Super-8.

A ideia era fazer um filme curta metragem sobre esse menino batizado assim mesmo pela sua mãe que soletrou o nome para o escrivão de: Zésuz Oliveira Silva. Aliás sempre a questão da grana, mais curta que o próprio curta se propunha e mais alternativo que um roteiro sem roteiro. Só tinha em mente filmar o ‘calvário’ deste menino em terras paulistanas, depois sequenciar as imagens gravadas em preto e branco e mesclá-las com um filme bíblico, colorido e editado nas estórias paralelas de ambos, Jesus e Zésuz, desde a manjedoura de um e o barraco do outro. Quando terminei toda a pequena verba, entusiasmado nas tomadas, foram-se indo várias caixinhas de filmes que eram caras demais, não restando nenhum troco para enfim poder revelar esses filmes, processo mais custoso ainda. Por sinal, até hoje guardo e tenho todos eles ainda não revelados.

Assim, para toda ilusão existe sempre um cúmplice, havia a minha parceirinha nesta empreitada, a amiga Lígia, que muitas vezes entramos juntos filmando o cotidiano e as crianças pelas ruas da favela com esta ideia na cabeça o que rendia muitas brejas naqueles fins de tardes Fellinianos.

Na gaveta da memória, que todos nós temos e guardamos coisas que já fomos,encontrei uma foto deste filme que não aconteceu e lá estava Zésuz e eu. Sorriso puro e pagão, com sua bola de meia entre os pés. Trinta e poucos anos depois, voltei ao Buraco Quente, essa mania de resgatar que tenho. Feito soldado de Herodes mostrei a foto a todos que ainda por lá viviam. Enfim encontrei Zésuz! (diria alguém da TV Record).

De fato o encontrei. Banguela, magrelo, deixou seu sorriso escapar pela janela escura da boca e reconheceu aquele jovem de outrora já de cabelos cor de neve. Mais um Natal, eu e Zésuz, vingando da vida, tocando viola, tomando cachaça, rindo, de papo pro ar, e talvez começando outro filme.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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