Planos para a Vila

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Planos para a Vila

Em curso desde 2010, o plano do Parque Linear do Rio Verde está sendo finalizado pela equipe de arquitetos da Davis Brody Bond Arquitetura da Convivência, que tem escritório na Vila Madalena. 
À frente da equipe está Anna Dietzsch, arquiteta e sócia diretora que, nesta entrevista, fala sobre o projeto do Parque Linear do Rio Verde, que corta boa parte da Vila Madalena e tem 1,6 km de extensão. Ela discute o que o projeto pode trazer e representar em matéria de qualidade de vida para o bairro e para a cidade. Participou da conversa a arquiteta Carolina Bavo, que está desde o início trabalhando no projeto. Além do Parque Linear, Anna discute sobre o plano de bairro que está sendo discutido e também merece a atenção de quem mora e vive na Vila Madalena.

Como começou o projeto sobre o Parque Linear do Rio Verde?
O Projeto Aprendiz nos chamou para abrir uma porta para o Beco da Rua Belmiro Braga. Descobrimos que não poderíamos abrir uma porta porque o beco é uma viela sanitária. Aí fomos olhar o mapa hídrico de SP e nos demos conta de que temos muita água no solo de SP que a gente não vê. Achamos o Rio Verde no mapa e na pesquisa constatamos que o rio “desapareceu” com o desenvolvimento da cidade. Ele tem dois braços e depois vira um encanamento. E se transforma em incômodo quando chove e enche. O parque tem 1,6 km de extensão. Começa na Rua Beatriz Galvão e termina no Beco da Belmiro Braga, também conhecido como Beco do Aprendiz.

Como foi feita essa pesquisa para “achar” o Rio Verde?
Para fazer a nossa pesquisa, eu e a Carolina saímos andando pelo bairro procurando pelos sinais do rio. E eles são muitos. Na Rua Abegoaria, por exemplo, existem várias minas de água. Na Praça das Corujas tem outra mina. Descobrimos que tem um morador na Abegoaria que tem uma piscina que é abastecida com água de mina. 

Quem explorava antigamente as minas d’água do Rio Verde?
A Rua Abegoaria era um caminho de tropeiros. Eles saíam do Largo de Pinheiros, seguiam até o alto da Avenida Alfonso Bovero e Paulista e de lá seguiam até a linha do trem. As minas eram usadas para matar a sede dos tropeiros e dos cavalos. Em nossa pesquisa alguns moradores nos deram fotos antigas da região.

No início de novembro, aconteceu o Fiesta na Vila, que serviu para divulgar o projeto. Como foi?
O Fiesta na Vila foi um evento em defesa da criação do Parque Linear do Rio Verde. Foi uma festa muito legal com a participação de muita gente. Teve música e muita gente esteve presente. E tomamos o cuidado de não deixar lixo. 

Quando a chuva é mais intensa, as ruas enchem em poucos minutos. Qual é a razão?
A bacia do Rio Verde é profunda e estreita. Quando chove, ela enche muito rápido. A impermeabilização também colabora para as enchentes. Com dez minutos de chuva, as ruas enchem e a água vem com muita velocidade, embora o escoamento seja rápido. A preocupação primeira do parque linear surgiu por conta da drenagem. 

Que propostas o plano do parque contempla?
Nosso projeto não tem nenhuma proposta radical e não contempla destamponar o Rio Verde, porque isso implicaria em desapropriação de imóveis. No projeto, fazemos a celebração da nascente do rio, o único ponto onde a gente vê a água do rio e existe uma pracinha. O projeto indica o caminho por onde o rio passa. Assim como fizemos na Praça Victor Civita, é um convite à reflexão. Nosso projeto é mais na filosofia de tentar viabilizar uma coisa que seja referência e reflexão e que seja factível. Fizemos a identificação de cada lugar nesses 1,6 km de extensão. Cada lugar tem uma característica. O Beco do Batman, por exemplo, tem uma característica de lugar de encontro e de grafite que já está consagrado. Propomos fazer uma galeria de grafites no parque. Além disso, criar uma estrutura permanente para apresentações artísticas e eventos. O ponto final é no atual beco da Belmiro Braga. Também propomos equipamentos para crianças em vários trechos. 

O pedestre seria prioridade? E os carros ficam de fora?
A ideia é fazer do parque um grande calçadão para pedestres e ciclistas e ele vai se apropriando de equipamentos que achamos que estão sendo subutilizados. Vamos manter o acesso dos veículos dos moradores e, onde hoje existe estacionamento de veículos, transformar em uma praça, para que as pessoas possam usufruir mais. Queremos chamar os artistas da Vila para fazer intervenções. Outra coisa é construir calçadas mais largas e drenantes, que ajudaria a diminuir a velocidade das águas da chuva. 

Em que etapa o projeto se encontra?
Estamos na fase final do projeto. Depois de entregar à prefeitura, ele será licitado para serem iniciadas as obras. Ele faz parte do plano de 100 parques da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e está previsto no Plano Diretor. Já foram feitos alguns deles na periferia da cidade, que a gente não fica sabendo. 

E como surgiu a discussão sobre um plano de bairro da Vila Madalena?
Surgiu da proposta de tombamento do bairro. Foi um questionamento de várias pessoas, entre eles o Otavio Zarvos, da Idea!, mas não era o único.  

Em que pé estão as discussões sobre o plano?
Tem moradores achando que a Vila já está muito verticalizada.Tem a pressão do mais forte sobre o mais fraco. O empresário do ramo imobiliário é mais forte do que o morador, que é individual. O plano de bairro veio como uma proposta de mediação e ela foi encarada como uma proposta de agressão. Tem gente que entendeu e outros, não. Acho que o brasileiro ainda não tem o hábito de dialogar. Ainda vivemos um ranço de ditadura. O espaço público ainda é muito tacanho. Acho que o processo democrático, da discussão, ainda é mais importante do que se vai ser feito o Plano de Bairro da Vila Madalena ou não.

Em linhas gerais, quais são as propostas do plano de bairro?
É pensar nas calçadas, na relação dos moradores, como convivem os moradores com os bares e lojas. A entrada do bairro, o fluxo de tráfego dentro do bairro. Tudo deve feito dentro da lei de zoneamento da cidade. Aqui você não poderia fazer qualquer uso. Aproveitamos a peculiaridade do lugar que foi levada em conta. No plano legal, aqui em São Paulo, o bairro ainda não é uma entidade legal. Nosso plano diretor atual prevê o subdistrito. No caso da Vila Madalena, que é subdistrito de Pinheiros, engloba bairros como Itaim, Jardim Paulista e outros. Se a gente fosse fazer um planejamento para cada um desses bairros, o desejo de cada um seria totalmente diferente. Acho que São Paulo está começando a discutir esse assunto. Nós podemos nos dar conta que podemos interferir no meio urbano. Nós, brasileiros, não temos costume de tomar conta do espaço público.  

Que outros pontos ele contempla?

Nele, discutimos a calçada, a rua, mecanismos de construção, questionamos algumas coisas no âmbito maior, porque tem a ver com o Plano Diretor da cidade. O plano de bairro é uma coisa mais ampla, envolve a saúde, as inter-relações sociais. Tem a ver com coisas que vão além da questão física. O mais importante desse processo todo é se ali, no final, antes da revisão do plano diretor da cidade, sair um documento onde “nós, moradores da Vila Madalena, achamos que…” O importante é que todo mundo de alguma maneira se sinta representado. 

Que papel tem o trânsito?
A parte mais movimentada da Vila tem ruas com duas mãos de direção e circulação de ônibus. Precisamos melhorar o fluxo do trânsito. Com ruas de mão única, poderíamos alargar as calçadas porque precisaríamos de menos espaço para os carros. Isso acontece na rua Oscar Freire, por exemplo. Outra coisa são os desníveis das calçadas. Com um plano de bairro, podemos fazer uma organização quadra a quadra. 

Como você encara a reação contrária das pessoas ao plano?
Na verdade, a primeira reação das pessoas é o embate, como a reunião que aconteceu na Casa da Cidade quando apresentamos o Plano de Bairro. Depois tivemos outros encontros que também foram muito difíceis e com a chegada de pessoas que não tinham participado dos encontros anteriores. Agora estamos entrando numa fase mais conciliatória, onde cada um fala mesmo que as opiniões sejam divergentes. O que quero dizer é que, na nossa cultura, as pessoas ficam esperando ser chamadas para participar. A gente deveria se convidar e participar. A prefeitura não vai dar uma solução para o problema. Ela não dá conta de milhões de pessoas. 

O tombamento da Vila é viável?
Quando surgiu a discussão sobre o tombamento, perguntamos: o que precisa ser preservado na Vila Madalena? Não existe nenhuma casa que tenha um valor histórico importante. Nas discussões que fizemos, percebemos que é muito mais uma questão da comunidade do que da questão física das casas.  

Quais são as características que a Vila Madalena tem em relação a outros bairros?
A Vila Madalena, ao contrário do Jardim das Bandeiras, do Alto de Pinheiros e outros bairros da região, é ainda um lugar diverso. Tem galerias, moradores, bares, lojas, praças. Isso é mais saudável. O que é legal na Vila é o reflexo disso no físico. Quando você anda pelas ruas, está sempre “acompanhado” pelo comércio, pelo vizinho, pela escola… Não temos aqui os muros que a Barra Funda e outros bairros têm. 

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