Uma vida de compaixão

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Nina Rosa Jacob é fundadora do Instituto que leva seu nome e que tem como propósito desenvolver a compaixão, o sentido de justiça e o respeito pela natureza e por todas as criaturas viventes por meio da informação, projetos e materiais educativos. Difícil imaginar que esta senhora de voz e gestos suaves e militante incansável das causas dos animais já foi fumante e onívora. Ex-modelo e produtora de moda, Nina só se tornou vegetariana depois dos 30 anos de idade. Por muito tempo evitou o contato mais próximo com animais. Ela recorda que ficou traumatizada com a perda da sua primeira cadela. Mas foi a partir deste trauma que resolveu cuidar dos outros animais e não dedicar tanto amor a um único bichinho. Durante alguns anos estudou sobre alimentação, prática do consumo consciente e trabalhou como voluntária em ONGs de proteção animal e do meio ambiente. Descobriu um novo mundo, no qual afirma sentir-se mais realizada.
Em meados de 2000 fundou o Instituto Nina Rosa, onde dedica-se integralmente e atua de forma mais organizada, trabalhando pelos animais e não com animais. O Instituto não possui abrigo e nem acredita que abrigos sejam soluções para a superpopulação de animais. Conheça um pouco mais de Nina Rosa e seu Instituto nesta entrevista.

Como começou a lutar pela causa dos animais?
Descobri o propósito da minha vida muito tarde. Fiquei bastante traumatizada com a perda da minha primeira cachorra, a Nora, quando eu era bem criança. Só aos 50 anos voltei a ter um animal e passei a olha-lo e vê-lo. É para isso que eu chamo a atenção das pessoas hoje: olhar e ver. Nosso olhar está automatizado. Não olhamos com compaixão. Foi dolorido para mim passar por isso. Demorei para perceber que eu era fora do padrão. Toda minha vida adulta trabalhei em busca do autoconhecimento. Sem saber onde isso iria dar. Antes havia trabalhado como modelo, depois como produtora de moda. Temas totalmente opostos ao trabalho que faço hoje. Tinha uma carreira promissora e glamurosa, mas aquilo não me satisfazia. Um dia, tive um insight de que aquilo não me preenchia e parei. Fiquei um bom tempo parada. Nesse período tive uma relação de apego muito grande com outra cachorra, a Chica. Com 14 anos, ela adoeceu e morreu. Tive a sensação de que tinham apagado a luz do universo. Nada mais tinha brilho. A partir deste acontecimento, eu me propus a nunca mais dedicar tanta atenção e amor a um só animal. Eu iria dividir este afeto com o máximo de animais que eu pudesse. Passei um tempo apenas servindo como lar transitório para animais que estavam sem donos.

Assim surgiu o Instituto Nina Rosa?
Comecei a procurar organizações de bem-estar animal que estavam iniciando. Existiam poucas no Brasil naquela época. A maioria era abrigo. Eu tive a sorte de começar pelo o que é hoje a Arca Brasil. Na época era WSPA e já tinha o conceito de que abrigo não oferece uma condição boa para os animais. É uma prisão. Eles necessitam do contato com os seres humanos. Foram vários anos como voluntária em outras organizações. Fui percebendo o quanto preservar a natureza era importante para mim. O quanto o desperdício me abalava profundamente. Mesmo sendo uma pessoa que não tinha necessidade financeira de poupar, sempre fui muito espartana. Os meus valores são muito diferente dos valores vigentes na sociedade atualmente. Assim foi caminhando e o trabalho que fazia em casa, dando orientação sobre proteção animal, era muito raro há 11 ou 12 anos. Como “em terra de cego, quem tem olho é rei” o pouco que eu praticava já era o bastante. A Nina interna passou para o externo e se manifestou no Instituto.

O objetivo do Instituto é reeducar as pessoas para a posse responsável, o consumo consciente…
O objetivo é a valorização da vida animal por meio da educação humanitária. Percebemos que as pessoas estão carentes de informações. Muitas pessoas que praticam maus-tratos, não praticam porque querem. Praticam por ignorância! Nunca pensaram que os animais têm suas necessidades. Nunca se puseram no lugar deles. Viemos de uma cultura antropocêntrica em que os homens acreditam ser o centro do universo e que tudo existe para servi-lo. Isso é ultrapassado, se é que este conceito já valeu alguma vez. Estamos em uma Era em que dependemos da natureza e a natureza depende de nós.

Como essas informações são transmitidas?
Produzimos material educativo. Fazemos palestras raramente. Imagina hoje estar em Limeira, amanhã em Botucatu e depois de amanhã em Ribeirão Preto? Alcançaríamos 100 ou no máximo 200 pessoas. Os nossos produtos atingem milhares de pessoas ao mesmo tempo. O documentário “A Carne é Fraca”, por exemplo, já tem 5 mil exemplares em pouco mais de um ano. A WSA, uma organização internacional presente em cerca de 130 países, pretende fazer distribuir gratuitamente em países que falam o idioma português, inglês, espanhol e francês; disponíveis nas legendas do DVD. É muito mais eficaz trabalhar com material educativo. Ele chega a qualquer lugar. Basta fazer o pedido. Fizemos o livro “Coragem de Fazer o Bem” com distribuição gratuita e tiragem de 100 mil exemplares. Estamos nas últimas mil unidades.

Quem banca essa produção?
O próprio Instituto que é mantido por mim. Não contamos com patrocinadores. Preferimos o apoio e colaboração individual de pessoas ou grupos simpatizantes que têm a mesma filosofia do Instituto. A maioria das grandes empresas não é ética. Algumas têm contato com frigoríficos ou investem em gado, muitas fazem testes em animais ou são poluidores de rios e matas.Como também prezamos nossa autonomia para poder manter nosso propósito, preferimos esse tipo de ajuda. É uma gota no oceano, mas sabemos que são pessoas que têm real interesse em ajudar os animais e o meio ambiente. Gostamos que esta energia seja pulverizada.

A senhora sempre foi vegetariana ou isso também aconteceu tarde?
Comecei a ser vegetariana com trinta e poucos anos de idade. Meu pai é do Sul e todo domingo tinha churrasco em casa. Por incrível que pareça, nunca havia feito a relação de vegetarianismo com bem-estar animal. Um dia fui almoçar com uma pessoa, que só vi uma vez na vida, eela abriu o cardápio e perguntou: “o que você vai comer? Eu não como carne pelos animais”. Para mim foi uma revelação que mudou a minha vida. Eu deixei de comer carne vermelha naquele momento. Logo em seguida eu fiz a mesma relação com os outros animais e passei a ser vegetariana. Com o tempo fui me informando sobre a crueldade do consumo do couro, pele, lã, mel, ovo, leite, a produção dos cosméticos…Abriu-se um mundo maravilhoso para mim! Aos 20 anos eu podia ter menos rugas e ser mais glamurosa, mas hoje eu sou mais feliz. Estou fazendo a minha parte e ajudando outras pessoas a fazerem a delas.

O abate para o consumo é a maior crueldade com o animal?
Não dá para mensurar qual a maior crueldade. Talvez sejam os testes em laboratório com os animais no Brasil e no mundo.Muitos produtos da indústria farmacêutica, cosmética e de limpeza são testados em bichos. Cada vez que é lançado um produto novo no mercado muitos animais sofreram. Para um xampu ter sua produção comercial permitida pela Anvisa e ir para as prateleiras, por exemplo, não é que lavam a cabeça do bichinho com o produto. Nos coelhos são colocadas centenas de litros de xampu nos olhos. Outros animais são obrigados a ingerir através de um tubo no estomago a mesma quantidade de xampu para os cientistas comprovarem se são tóxicos ou não. Há chimpanzés que passam por experimentos psicológicos e psiquiátricos. Uma chimpanzé que acabou de parir é separada do seu filhote e enjaulada com o propósito de identificar em quanto tempo ela apresentará algum distúrbio de comportamento.

Existem formas alternativas que substituam os testes em animais?
Testar em cobaias humanas é uma idéia. As empresas apenas fazem testes em animais porque querem ficar livres de qualquer ação judicial que possam sofrer dos usuários. Se alguém tem algum problema de saúde por conta de um produto, as indústrias alegam que testaram diversas vezes. Recentemente a Folha publicou que foi retirado do mercado um medicamento para hiperatividade de criança. Esse remédio foi testado exaustivamente em animais e aprovado. No final das contas nós somos as cobaias!

Dize-se ser do instinto humano comer carne. Existe alguma forma de abater o animal sem torturá-lo?
No documentário “A Carne é Fraca” filmamos o abate humanitário. O que o DVD mostra é uma empresa modelo. Cria-se um animal para mata-lo. Isso significa confiná-lo, sem deixar ver a luz do sol, dando anabolizantes e hormônios para ganhar peso rapidamente, valer mais e mandar para o abatedouro onde eles vêem e percebem o animal da frente sendo abatido. É uma distorção do que se fazia na época das cavernas, quando o homem ia atrás do seu alimento com um porrete e brigava por ele. Ou morria ou matava. Por que hoje é assim se temos toda essa tecnologia e opções de alimentação a nosso favor? Aliás, está comprovado que a carne é cancerígena! Justamente por ser um posso de anabolizantes, hormônios e adrenalina do medo! Recebemos centenas de e-mails de pessoas se manifestando após assistirem “A Carne é Fraca” que dizem nunca mais quererem participar disso. O que prova que as pessoas querem informação. Querem diminuir a violência!

Com o surgimento de novas ONGs e associações, tem-se percebido uma maior preocupação das pessoas em relação à natureza e aos animais. A senhora vê o futuro de forma otimista?
Por um lado eu vejo que houve uma melhora nos últimos anos. Por outro vejo que há muita ganância. Um dos maiores males da criação intensiva de animais para consumo é que estão acabando com a Amazônia, com a Mata Atlântica e com nossos rios. As matas do Centro-Oeste do País não existem mais. Estão sendo queimadas para virar pasto e plantação de soja que será exportada para alimentar os bois da Europa e EUA. Foi comprovado que esta mesma quantidade de grãos de soja que exportamos resolveria o problema de fome no Brasil se fosse utilizado para pessoas. Mas, pela nossa experiência com “A Carne é Fraca”, que é um vídeo comovente onde não catequizamos ninguém, apenas mostramos como as coisas são, eu vejo as pessoas querendo saber mais. Já é um grande passo.

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