Típicos botequeiros

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Kelly Monteiro

Ele é a cara do boêmio que adora circular pelas mesas dos botecos paulistanos, principalmente na Vila Madalena. Quarentão e com uma língua pra lá de afiada, o personagem Tulípio faz uma análise acurada do rico ambiente boêmio na revista que leva seu próprio nome, além de situações quase sempre embaraçosas com em que ele se envolve. Com as mulheres, então, nem se fala…
Tulípio, personagem e revista, foi criado pelo publicitário Eduardo Rodrigues e pelo cartunista Paulo Stocker. Um “casamento” que deu certo: Eduardo entrou com suas frases inspiradíssimas e Paulo com os traços que deram forma ao personagem.
A alta literatura também não escapa às páginas de Tulípio. Na primeira edição, Xicó Sá apresentou seu Breve Código de Etiqueta do Boêmio. No número dois foi a vez de Ignácio de Loyola Brandão, que homenageou o Bar do Pedro, em Araraquara (SP). Mario Prata levantou polêmica no número três, e na quarta edição foi a vez de Aldir Blanc, com “Ajuste fiscal”.
Fique atento à entrevista com Eduardo e Paulo, pois a quinta edição da revista Tulípio irá circular pelos melhores botecos no mês de abril.

Mais do que um personagem, Tulípio reúne um pouco de cada um de vocês. Como nasceu esta figura?
Eduardo – O Tulípio nasceu porque sempre freqüentei botecos. Foi na época em que me separei, não sei se da segunda ou da terceira esposa… Ia todo dia num boteco. E, claro, além de jantar, tomava cerveja e ficava observando o que acontecia, as pessoas… Quando achava alguma coisa interessante, anotava num guardanapo. Tinha uma idéia mirabolante, anotava também. Chegava em casa e ia jogando todos os guardanapos em cima da mesa. Num domingo acordei, olhei para a mesa e tinha um bolo de guardanapos. Era melhor tomar uma atitude antes que os guardanapos a tomassem! Comecei a ler um por um e achei coisas legais. Decidi passar a limpo, assim não ficaria aquele monte de guardanapo incomodando… No mínimo para limpar a mesa. Passei a limpo e depois imprimi, montei um caderninho, mostrei pra um, mostrei pra outro e começaram a achar legal e a me perguntar o que eu ia fazer com aquilo. Não sabia muito bem o que fazer… Mas continuava produzindo, ia aos bares. Virou uma mania fazer isso. Pensei em publicar um livro em forma de guardanapo; muita gente começou a sugerir que fizesse um personagem. Achei legal fazer um personagem, um intelectual, de 40 anos, professor universitário… E juntei o nome Tulíbio, que remete a um intelectual, com tulipa. E ficou Tulípio.

Perfil definido, o Tulípio precisava ganhar forma, uma cara… E aí?
Eduardo – O perfil é o cara de 40 anos, que senta no bar para tomar cerveja e fica azarando os outros! Faltava achar alguém para desenhar. Algumas pessoas tentaram, mas precisava ser um cara que sabe o que é sentar num bar e ver o que está acontecendo, que conhece a boemia… Depois de várias tentativas conheci o Stocker, no quintal da Caros Amigos, na Vila Madalena, no lançamento de um livro. Estava lá conversando e de repente chega este sujeito aqui, bêbado… Pensei: pelo menos o cara bebe, o que já é alguma coisa. Conversamos, ele se interessou e uma semana depois, mais ou menos, teve uma reunião do movimento Literatura Urgente e eu estava lá, levei o caderninho, dei para ele, aproveitando que ele estava sóbrio… Demorou uns dois dias e ele já fez os traços do Tulípio.

Paulo – Na verdade, eu fazia uma série de personagens compridos, com sapatos grandes… E um dia fiz um personagem que era um jornalista frustrado e cabeludo, mais ou menos a minha visão de pra onde o jornalismo estava indo. Ninguém tinha mais tesão em trabalhar em nenhuma revista; se for só para falar bem disso ou bem daquilo porque é tal cara, já perde o sentido. E esse personagem era muito cabeludo. Quando o Edu veio com as frases vi que era possível viabilizar um sonho meu que era fazer uma revista. E está dando certo. Pensei em usar o personagem jornalista, mas não casava com as frases. Até que cheguei no Tulípio: mais ou menos o cabeludo com a cara do Edu, mas com pouco cabelo (risos). Foi muito sutil e um pouco a mistura de nós dois; um pouco compridão como eu, de cavanhaque como o Edu, um pouco de cabelo… E as pessoas foram percebendo que era o Edu, que era o Edu… Então tá bom! Peguei os bracinhos dele… O Edu fala com os braços. E acabei dando a característica de pantomima ao personagem. O Tulípio é como se fosse um Chaplin com texto, por exemplo. Com todo respeito e com toda a humildade ao grande trabalho do Charles Chaplin, que é outro ídolo meu. O Tulípio é um quase um clown fazendo leves trejeitos que dão uma certa harmonia. Parece que as pessoas têm gostado. Para mim é realizar um sonho.

Há frases que já viraram marcas do Tulípio. Quais são as mais lembradas pelos botequeiros?
Eduardo – Principalmente as que saíram na primeira revista. Teve gente que nos procurou para fazer camisetas, etc… Por exemplo: “As bonitas que me perdoem, mas as feias são bem mais fáceis”. Outra é: “O fato de eu ser feio dificulta ou inviabiliza”. Vira e mexe ouço alguém falar, tô num bar e escuto uma frase.

O que inspira Paulo e Eduardo, ou seja, o Tulípio, quando estão fazendo o “trabalho de campo” nos bares?
Paulo – 95% mulher, 4% a temperatura da cerveja…

Eduardo – 80% mulher, 10% outras coisas e 10% do garçom (risos). Mas não é só isso. Tem a experiência própria. Vou pro bar sozinho, gosto de ficar sozinho. Vejo o que acontece de tudo quanto é lado, observo uma coisa qualquer, como um ‘cara’ dando em cima da ‘mina’ e aí vejo que não vai dar certo nunca! E sai uma frase.

Paulo – Olho como as pessoas se comportam, como ficam sentadas. Tem muita posição do Tulípio que é inspirada em amigos meus. Por exemplo, o Ademir Assumpção, o poeta Pinduca, tem uma maneira de sentar que é peculiar. Ele fica praticamente deitado na cadeira, com a barriga para cima e levantando o dedo. Tem um outro amigo nosso que fica numa posição de sentar meio de Al Capone. E passei essa brincadeira para o Tulípio. Outra coisa é observar as namoradas do Tulípio. Não gosto de ficar olhando mulher em bar porque é meio constrangedor! Estou lá estudando e trabalhando! (mais risos…).

E quanto às participações especiais na revista? Muita gente tem aderido, como Jaguar e Aldir Blanc, na edição número 4…
Eduardo – Sempre gostei de revistas de humor desde moleque. Quando a gente foi montar a revista pensamos em chamar os caras que gostamos muito para participar e que foram importantes na nossa formação de humor, até mesmo na formação humanística. Só que não os conhecíamos pessoalmente. Como é que íamos chegar neles? Na maior cara dura começamos a ligar para cada um. Logo na primeira edição chamamos o Paulo Caruso, que é um cara da noite, de bar, muito sagaz… Ele aceitou na hora, gostou da idéia. E também chamamos o Xico Sá. Claro que a gente remunera, fazemos questão. E o grande sonho da minha vida era ter pessoas como Jaguar e Aldir Blanc participando de um projeto meu. Nunca imaginei que isso fosse acontecer. Na edição número dois, falamos com o Ignácio Loyola Brandão e ele adorou; o Glauco fez uma participação super bacana; na três falamos com o Mário Prata. O Geep e Maia também participaram.

Paulo – O Tulípio é um boêmio, ele não é um alcoólatra. É isso que queremos frisar. Como o Paulo Caruso fica desenhando as pessoas no bar, é o Tulípio. Outra coisa: ele vai de táxi pra casa, é um bêbado responsável. Ele não é um anti-herói, mas sim o próprio herói.

Eduardo – O que é legal é que tanto o Jaguar quando o Millôr Fernandes, em entrevistas, falaram do esquecimento dos cartuns, que hoje só se faz charges. E no Tulípio só tem cartuns. Talvez este seja um dos motivos pelos quais eles gostaram tanto.

Pode-se dizer que a revista tem um lado educativo, já que vocês se preocuparam em fazer com que o Tulípio vá para casa de táxi depois de beber?
Eduardo – Sim, ensinamos a beber, a cantar uma mulher, a separar de uma mulher, o que também é muito importante… (risos).

Paulo – Acho que mais do que reeducar é o resgate. O Tulípio resgata a boa boemia, o cara que vai pro bar ouvir um bom samba, fica amigo do garçom, gosta de comer um bom prato da baixa gastronomia. É aquele que aprecia a cultura de boteco.

O que estão planejando para as próximas edições?
Eduardo – A edição cinco deve sair em abril. É uma possibilidade chegarmos a uma tiragem de 25 mil exemplares. Tem um pessoal negociando com a gente no interior de São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Brasília. Temos as animações que passam no Cine Boteco, em vários bares, e fomos convidados pelo Uol para ser provedor de conteúdo na parte de humor. A partir de abril teremos um portal com um monte de coisas. É só aguardar!

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