Tardes de março

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A vila ainda é um lugar apaixonante. Estava de tardezinha. Nem de noite, nem de dia. O papo voava solto e estávamos sentados na calçada da rua Turi. “Antiga rua Batuíra”, disse–me o tranqüilo Roberto, enquanto identificava os cantos e os inúmeros pássaros que nesta hora voavam sobre nós. “São estes pés de frutas da rua tranqüila e sem carros, que chamam tantos passarinhos. Beija-flor, maritaca, tico-tico, bem-te-vi, sabiá-laranjeira, sanhaço, curiango, canário-da-terra, “ aquele ali ó, no pé de jabuticaba, este eu não sei o nome e tá sempre por aí, azulzinho de bico grosso”, apontava Cláudio Roberto dizendo-se desconhecedor de passarinho. Nasceu e foi criado na mesma casa onde estávamos na frente. Entrou para pegar uma foto. “Pedro, você acredita que essa foto é ali do outro lado da rua? Este terceiro homem atrás do cavalo é o meu pai, Miguelzinho, do lado é o Geraldo Mosca, pintor da vila, o que está mais ao alto é o Ninho, embaixo é o Casemira, jogador do Leão do Morro, ao lado é o João Gomes, chofer de praça, o de chapéu é o Bateria, o maior criador de passarinho da vila, este sim conhecia muito de passarinho e outros que me fogem os nomes”.
A tarde parecia não ir mais embora ou era o tempo que parou um pouco só para se ver na foto. Entre um detalhe e outro sobre aquela época, éramos interrompidos por cantorias de passarinhos. A cidade ainda tem disto. Dizia o maestro Villa-Lobos que “a natureza é tudo na vida, o resto é resto, fora dela é desgraça, guerras e ódios”.
Como testemunhas desta tarde na calçada, lá estávamos vendo os passarinhos urbanos resistentes ao tempo nos ver, enquanto os personagens da fotografia sorriam para gente, contentes por também estarem ali.
Já no alto deste “retrato” ouvimos bater o sino da igreja da Vila Beatriz, querendo encerrar o dia daquele ano de 1952, a rua de barro que sobe lá no fundo é a Pascoal Vita, a outra do primeiro poste é a rua do Futuro, hoje Natingui, a rua é a Arapiraca com Turi e todos estão na frente do bar do Tino. Aos poucos a charrete dos amigos vai subindo a rua, a fotografia foi ficando vazia. Os pássaros se recolhiam e a lua debruçou na cabeceira da Turi, para mim a rua mais bonita da Vila. A tarde enfim partia junto com os pássaros, que pareciam puxar a cortina da noite sobre o palco deste dia. Parafraseando outro maestro, pois não existe paisagem sem música: “São as tardes de março fechando o verão, é promessa de vida no meu coração”…

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