Talento que dá prazer

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Gregório Motta, 26 anos, é formado em desenho industrial, mas engana-se quem pensa que o trabalho dele é ficar horas em frente à prancheta ou computador, usando roupas formais e recebendo ordens. Este tipo de rotina não existe na Aerofish: oficina, loja e showroom de pranchas de surf, aberta há mais de um ano na Vila Madalena.
Surfista desde criança, acompanhava o pai, o premiado designer de móveis Carlos Motta, pelas praias do litoral. Além da paixão pelo mar, Gregório herdou do pai a curiosidade pela produção artesanal. Foi então que uniu as duas atividades e se tornou um reconhecido shaper.
Suas pranchas com designer personalizado ganham mais e mais adeptos, mas isto não muda seu ritmo de vida bastante descontraído e saudável, como ele mesmo costuma dizer. Em 2005, durante as férias, fez estágio com um dos gurus do mundo das pranchas enquanto divertia-se surfando nas ondas no Havaí. Quem disse que trabalhar não é prazeroso? Gregório explica como isto é possível, nesta entrevista.

Você fez desenho industrial pensando em associar à produção de prancha?
Estava naquela dúvida quando acaba o colegial sem saber direito o que fazer. Optei pela faculdade de desenho industrial não pelo desenho em si, mas pelo produto final. Sempre gostei de trabalhar com argila, madeira, essas coisas artesanais. Fazer prancha nunca foi um ideal, embora soubesse muito bem definir o modelo das pranchas quando encomendava as minhas para os shapers: “Mais curva no bico; um pouco mais fina na rabeta; com cave ou não, etc.”.

E como surgiu a idéia de ser shaper?
Eu pego onda faz tempo. Quando me formei estava trabalhando com meu pai. Queria trabalhar em outro lugar, fora da família. Fui procurar a oficina de um amigo, o Akio, que já fazia prancha para mim e percebi que o método dele era parecido com o método da marcenaria. Tinha aquela coisa que eu gostava, que é transformar a matéria-prima em um produto final. Achei muito legal. Pedi para ele deixar eu fazer uma prancha minha. Era como a sensação de querer fazer a própria cadeira para sentar. Ele ficou meio na dúvida, mas apoiou. Foi quando eu fiz a primeira prancha há três anos e pouco. Depois disso, começou a pintar o interesse em fazer minhas próprias pranchas. Por que não? Fui tentar fazer do jeito que achava que funciona.

Entrou logo no mercado?
Sempre tive vários amigos no Camburi, litoral Norte, e eles começaram a pedir para eu fazer e a divulgar minhas pranchas. Como lá é uma praia freqüentada por formadores de opinião, o pessoal ficava sempre de olho. Acabei encarando com vontade a profissão.

Teve dificuldade em administrar seu próprio negócio?
Trabalhei um tempo no marketing na Hang Loose e o tempo que passei no escritório do meu pai me ajudou a pegar um pouco de experiência. Hoje eu trabalho aqui sozinho, tomo conta do site, faço o marketing da minha marca, a Aerofish, criada há dois anos, mas registrada há quatro meses.

Qual foi a contribuição da faculdade no seu trabalho? O que suas pranchas têm de diferente em relação às demais?
Acho que o desenho industrial me ajudou no sentido de procurar sempre o que a pessoa está querendo ou o que está faltando no surf, não no mercado de vendas. Eu vejo a dificuldade de uma pessoa e percebo que é por causa do equipamento que está inadequado. Por exemplo, se a prancha é de um atleta profissional, de alguém que já tem muita performance. Não adianta ele iniciar com aquele equipamento. Eu acabo mostrando o quanto é legal completar a onda até o final e sair amarradão do mar. Não é só a prancha de competição e as manobras agressivas que trazem o prazer de surfar. Faço as pranchas de ataque também, mas não sou limitado a fazer só esse tipo que tem no mercado: a prancha estreita, prancha squash…

As pranchas são todas personalizadas?
Eu estou aberto a ouvir as dificuldades do cliente. Conversamos até chegar a um consenso e tentar chegar no que ele quer. Se não for na primeira prancha, pode ser na segunda.

Você faz a prancha desde o desenho até o acabamento?
Faço o desenho e dou a forma ao polioretano expandido. Compro o bloco e faço a forma, dou a dinâmica de acordo com o briefing que o cliente passou: largura, volume, distribuição do volume, etc. Tudo isso influi no jogo da prancha! A parte da resina é terceirizada. Todo o processo demora umas três semanas.

Suas pranchas têm um destaque no mercado. Tanto que rendeu um convite para estagiar no Havaí, não?
O Dick Brewer, um guru das pranchas, veio ao Brasil e acabou visitando a loja. Falou do Havaí e que tinha lugar na casa dele. Fez o convite para eu ir para lá. Não perdi a oportunidade e fui. Passei dez dias com ele e conheci outro havaiano, o Jeff Bushman, que também me apadrinhou e me ensinou algumas coisas. Eu que acabei indo atrás deles. (risos)

Este é um trabalho que exige do shaper uma constante atualização?
A prancha foi evoluindo ao ponto de ficar extremamente radical. Os atletas fazem manobras que antigamente não faziam. Só que as linhas antigas começaram a voltar porque nem todo mundo tem essa habilidade no surf. Como hoje tem muito simpatizante do esporte tem leque para todas as opções de prancha, da clássica à moderna.

Você pratica como lazer ou já chegou a competir?
Já competi, não profissionalmente, mas como amador. Eu corri o circuito universitário. Fui vice-campeão, ganhei algumas etapas, mas para seguir carreira tem que se dedicar muito ao esporte. Se fosse para eu ser profissional tinha que ter largado o estudo depois do colegial e não ter feito desenho industrial.

Ter transformado lazer em profissão e ser bem-sucedido aos 26 anos é algo fora do padrão. Sente-se realizado com isso?
Sim. Meus amigos vêm aqui; eu sei argumentar sobre o assunto; tenho vontade de chegar cedo e sair tarde daqui; as pessoas que visitam a loja gostam do ambiente, embora não esteja pronto ainda.

Se continuasse trabalhando com o Carlos Motta seria muito diferente este ritmo?
Acredito que algumas responsabilidades sim, outras não. Tenho muita responsabilidade com as pranchas. Cada prancha custa 600 reais, no mínimo. Também tenho prazo de entrega, acumula prancha. Mas não tenho ninguém para me cobrar. Em outros lugares teria que seguir mais o ritmo da sociedade. Eu tenho a minha empresa e vou de acordo com o que eu acho saudável. Se estou cansado, eu paro.

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