Sobre sexo e erotismo

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Kelly monteiro

As mulheres já queimaram sutiãs em praças públicas, brigaram pela igualdade profissional e pela sua própria liberdade. Porém, ainda não se livraram totalmente das amarras que as prendem quando o assunto é sexo e erotismo. Elas estão se descobrindo aos poucos e superando tabus, e essa delicada relação da mulher com o sexo e com o próprio corpo virou fonte de pesquisa para Tatiana Tonsmann, estudante do último ano de Sociologia e Política, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
Para dar mais subsídios à pesquisa, Tatiana criou seu próprio “laboratório”: a Hilda Boutique, um sex shop em plena Vila Madalena. “Sempre tive curiosidades sobre a relação das mulheres com o sexo, sobre o prazer feminino. Sinto que elas são carentes quanto ao conhecimento do próprio corpo, e comecei a pesquisar sobre a indústria do sexo. Notei que cada vez mais as mulheres procuram por brinquedos, cosméticos, e me interessei pela área”, explica.
Ao entrar na Hilda Boutique há um café onde você pode ficar à vontade para folhear alguns livros sobre erotismo. O ambiente aconchegante atiça a curiosidade, por isso, não fique constrangida e renda-se às lingeries e acessórios no mínimo surpreendentes! Confira a entrevista com Tatiana.
De que maneira a mulher se relaciona, hoje, com o sexo?
O que eu descobri é que existe uma busca intensa pelo prazer do outro e muito pouco para si mesma. Fiz um curso de pompoarismo e notei que as mulheres que foram entrevistadas justificavam a ida até lá para satisfazer o marido, ou porque tinham terminado um relacionamento e queriam voltar e arrasar! E nunca para si mesma. Acho que está havendo uma mudança. O sex shop é muito mais freqüentado pela mulher do que pelo homem. Pelo que eu noto, os homens, não são todos, não se importam tanto com os apetrechos, com os brinquedos, mesmo porque para eles é mais fácil ficarem excitados. A anatomia da mulher não ajuda muito, sempre precisa de um estímulo a mais. Já a mulher tem curiosidade; é uma fantasia dela se produzir, comprar um creme que esquenta… Enquanto o homem não. Ele é mais direto, sempre mais prático.
Não seria mais resistência do que praticidade?
Não sei se é resistência. Eu acredito que o prazer feminino é muito mais difícil de ser atingido do que o prazer masculino. O que eu percebo é que o homem ama seu pênis; é uma relação muito engraçada… Pode ser que tenham resistência em aceitar que a mulher compre um acessório. Principalmente se for um vibrador.
Isso demonstra que o machismo ainda impera?
Pode ser. O público gay freqüenta bastante o sex shop enquanto o público masculino hetero não. Já a mulher, depois da pílula anticoncepcional, começou a se libertar e sexo virou uma escolha racional, não só pela concepção, ter filhos, família e tal. Ainda existe o machismo, mas acho que está mudando. E a mulher está procurando se conhecer mais, buscando seu próprio prazer e se livrar dos bloqueios.
Pelo que pesquisou, ainda há muitos tabus em relação a sexo?
Sim. E isso é interessante na sociedade brasileira por causa da nossa relação com o corpo. Criaram um mito sobre a sensualidade e a sexualidade da mulher brasileira porque tem Carnaval, muita exposição do corpo, enfim… Quando na verdade ainda somos uma sociedade muito atrasada quando se refere à sexo. Eu vivi um tempo nos Estados Unidos e é muito comum lojas que vendem artigos eróticos. A brasileira ainda é um pouco travada em relação ao sexo, embora se diga que ela é mais sensual, mais liberada. E não é verdade, porque a nossa sociedade ainda é muito machista.
De que maneira e quando o sexo começa para a mulher?
Para a mulher o sexo começa num telefonema de manhã. É preciso se livrar dos preconceitos, do moralismo! Gostamos de sexo mesmo, então vamos fazer com que isso seja uma coisa prazerosa para as duas pessoas e não só para o outro. Faça por si mesma, não faça pelo outro. Fazer as vontades do outro na cama é sempre legal, mas fazer as nossas próprias vontades é mais legal ainda. E aí podemos passar para o outro o que gostamos e podemos aproveitar melhor. Já conversei com mulheres casadas há anos e que nunca experimentaram um orgasmo! E acho que é por pudor; pudor de si mesma, de se tocar, se conhecer. Sou a favor das relações humanas, as pessoas têm que se relacionar pois é assim que trocamos experiências, crescemos e amadurecemos. É uma forma de tentar se conhecer melhor para se relacionar, sexualmente falando, com o outro. Não apenas fazer o que o homem quer, mas fazer e falar o que gosta. E a gente só sabe o que gosta quando experimenta.
Qual o limite entre erotismo e pornografia?
O erotismo está ligado a uma coisa mais sensual, enquanto o pornográfico é mais escrachado. O erótico é mais sutil, mais bonito de se ver. A proposta aqui não passa nem perto da pornografia. É tudo muito sensual e erótico. E sutil. E na sutileza é que está a beleza. Não é preciso abrir o jogo totalmente para mostrar que é legal. A mulher conquista, usa uma coisinha aqui, um acessório ali… E por aí vai!
O que há de mais interessante ou curioso na Hilda Boutique?
Há vibradores como o famoso Rabbit, que tem um coelhinho na frente, com rotação; vibradores em forma de batom, de esponja de banho, de patinho… Tem calcinha que vibra, ou seja, um dispositivo que pode ser colocado na calcinha e que é acionado por controle remoto. Pode-se manipular onde estiver, numa reunião de trabalho, no trânsito (risos). Tem alguns kits também com capas penianas com vibrador, massageadorzinho… Outro acessório interessante é o que apelidamos de ‘Globeleza’, todo de lantejoulas. A mulher coloca nos seios e quando tira a roupa está usando só aquilo. Criatividade é o que não falta!
A literatura erótica também tem espaço na butique. As pessoas aceitam bem este tipo de leitura?
Sim, principalmente as mulheres. Trouxe para a Hilda livros de fotografia, contos, histórias, poesias, e alguns manuais de prazer, como Kama Sutra, livros de massagem, como atingir o orgasmo… Falando por mim, não acredito muito neste tipo de manual porque é uma busca íntima e cada um tem a sua maneira, não precisa de um manual de instruções! Não somos uma máquina! Temos capacidade de pensar, de sentir, cada um reage a um estímulo. Mas trabalho com estes livros porque muitas mulheres gostam.
Como as pessoas têm reagido à Hilda?
A aceitação está sendo grande. O ambiente ficou gostoso, é tudo muito delicado, tem o café, os livros…Não tem nada agressivo visualmente. As mulheres têm gostado muito, mas poucas admitem que querem um vibrador ou compram um vibrador. Elas vêm, olham, compram um creminho para usar com o namorado… Mas o que diz respeito ao conhecimento mesmo, ao ‘vou explorar o meu corpo’ usando um vibrador ou um massageador é um pouco mais discreto. Algumas olham e falam que têm vergonha. Têm vergonha de si mesmas. É uma coisa muito íntima, mas ainda tem essa coisa de vergonha. Outras não! Pegam, dizem que usam e que gostam, mas a maior parte delas não assume. É preciso perder a vergonha de usar um vibrador e de freqüentar sex shop. Para o homem é tudo é mais fácil, mais prático. Para a mulher não, requer uma série de coisas. E para ela conseguir passar ele tem que se conhecer e para isso tem que se tocar.

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