“Hotel das Estrelas”

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1941

Pedro Costa

A vida é uma invenção, cada qual faz da sua, o que quiser. Alguns preferem ser um cara para baixo, outros pra cima, já disse Ferreira Gullar. Essa é uma história de uns amigos que resolveram “viver para cima”, unidos na despreocupação de serem apenas alegres, por pior que sejam os problemas de cada um.
O Zé Américo era um deles. Foi ajudante do pedreiro Risada. Grande bebedor de cachaça e malandro nas horas vagas. Morava na Izabel de Castela, porém dormia bastante na calçada em frente à sua casa, sujeito pequenino e safado. E foi naquelas enxurradas de janeiro, onde a chuva vem forte e leva tudo e todos, levou também o Zé Américo que jogava bola com sua turma na praça das Corujas. Foi naquele córrego que passa ao lado da praça que o Zé foi sendo arrastado aos berros pela força da água, passando por tubulações. Por sorte fomos achá-lo perto da boca de lobo que sai no rio Pinheiros, batendo o pé, nadando de costas, pedindo aos gritos que jogassem uma corda e uma cachaça para tirar a friagem. Após o resgate improvisado, puxado por um bambu, ainda tomou uns tapas dos amigos pelo trabalho que deu.
Parte deste pessoal freqüentava também o famoso “Bar do Julião”, que durante muitos anos funcionou na Fradique Coutinho. Gente que só fazia bico, gente que só bebia, aposentado que por lá passava o dia. Tinha o Nica que andava sempre com uma pasta com nada dentro fingindo já ter trabalhado, o Piriri planejando um mega show de rock para fechar o Ibirapuera, cantando o Julião para patrocinador principal e ainda tinha por lá um joguinho de bicho e gente que ia para lá dar umas risadas também.
O fato curioso acontecia no bar do Julião, quando já tarde, fechava o bar. Haviam uns totalmente de fogo, outros sem casa mesmo que dormiam por aí na Vila. O bondoso Julião cedia seu carro, uma velha Marajó cinza que ficava a noite toda estacionada em frente ao bar. Julião ainda dormia nos fundos do seu comércio. A Marajó abrigava, toda noite, durante anos, alguns inquilinos que dormiam no velho automóvel. A Sueli, por exemplo, que está na foto, o Zé Grande (de barba), o Nica (à esquerda), o Rochinha (ao centro), às vezes o Piriri, lá dentro do carro passavam a noite.

Espaço para foto

Logo cedo, o gordo Julião abria o seu bar e por hábito e brincadeira “acordava” seus inquilinos, esparramando no teto e no capô do carro, farelo de milho, assim rapidamente pombas amontoavam-se sobre a “Marajó dos Marajás” dando bicadas e mais bicadas, que para quem estava dentro do carro soava como uma verdadeira metralhadora maluca. Num instante, todos saiam afobados e já estavam de novo a postos no bar do Julião.
Certa vez, estes gratos inquilinos solitários, resolveram reconhecer a gentileza de Julião. A pintura do carro-hotel estava velha e descascada. Fizeram a surpresa: arrumaram uma lata de tinta cinza e repintaram toda, a Marajó com um rolinho de espuma, para cada inquilino pintor.
Tempos depois o bar faliu. Julião, sem jeito de voltar para casa, acabou sendo, mas um inquilino da sua Marajó, merecidamente no posto de Capitão dormia no banco do motorista.
Quando o Arnaldo serralheiro, seu filho contou-me a estória, fui embora rindo e lembrando de um poeta-querido, (por sinal comemora-se agora em maio o seu centenário de nascimento) – Mário Quintana.
Mário passou a vida solitariamente, morando de hotel em hotel pela cidade de Porto Alegre. Certa vez uma destas garotas-repórter da Globo chegou até o poeta, que assistia à demolição do antigo hotel em que esteve hospedado durante alguns anos. A repórter se aproxima com o microfone e o cameraman e pergunta: – “Mário, estão demolindo o hotel onde morava e agora, vai morar onde?”.
O velho poeta sorridente respondeu: – Minha filha, vou para qualquer lugar, moro mesmo é dentro de mim.

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