Contos de réis

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O dinheiro nem sempre foi doce.
Ao longo da história , o sal sempre teve um papel importante e muito valioso. O sal era comercializado literalmente a peso de ouro. O filósofo Platão definiu-o como “substância cara aos Deuses”. ”Voz sois o sal da terra”, diz a Bíblia. Os hebreus selavam seus acordos trocando sal, as “moedas” do gosto e da conservação dos alimentos. A Roma antiga pagava seu soldo com sal, que vem do latim salarium. A palavra latina salário atravessou os séculos e a usamos até hoje, sem desconfiar de suas origens. E até o início do século XX, em algumas regiões da África Central, era possível comprar uma noiva com um bom carregamento de sal.
Dinheiro, que nos acompanha por toda a vida. Quando falo de dinheiro refiro-me às lembranças e às estampas que passaram por eles, dos nomes que já tiveram e dos sonhos que já provocaram.
Quando meu irmão Beto, recebeu uma pequena bolada após sair depois de muito tempo do emprego, fez questão de receber do banco tudo em dinheiro e em pequenas notas para aumentar o volume. Chegou em casa, amarrou tudo com um cordão aqueles pacotes de dinheiro e com a outra ponta prendeu nas suas costas, saiu eufórico e feliz pela casa gritando: “Corri tanto atrás desse desgraçado que agora ele vai correr um pouco atrás de mim, para ver o que é bom”.
São estórias do dinheiro, cada qual ligada a um momento de nossa existência. Conheci o tal logo depois dos Contos de Réis. Tinha o nome de Cruzeiro quando me dei por gente. “Tome um Cabral!”. Era a nota de mil, conhecida também por abobrinha. “Me deve um duque!”. Era a de duzentos Cruzeiros com a estampa do Duque de Caxias e dava para comprar vários tabletes do recém – lançado chocolate Diamante Negro.
Esse tal de dinheiro, money, grana, mango, pau, gaita, pila, jabá, tutu, bufunfa, dim-dim, pataca, cascaio, cacau, algum, barão, carvão e tantos outros sinônimos cantados em versos e prosas, pode ser identificado pelo seu apelido de tempos em tempos, podendo-se assim situar e reconhecer a época que falamos, só pelo nome que já teve.
Juras, promessas, suicídios, suplícios, sacrifícios e tantas outras causas e efeitos em nome deste fulano. Tantos Contos de Réis foram arrecadados na última hora para que um filho solteiro, aflito e sonhador de minha avó, realizasse seu sonho. A arrecadação foi necessária para que esse mimado tio pudesse se aventurar à procura de ouro no Acre, rapelando até nossos cofrinhos para sua passagem de ida. Foi doloroso ceder nossos pequenos níqueis ao querido tio aventureiro e jamais o vimos de novo e muito menos o tal falado retorno em triplo do que se foi. O choro da italianada ali na calçada emocionou todo o quarteirão que nos via debruçado pelas janelas da rua .O dinheiro ali, de novo foi testemunha, do quanto sofri, não pela quantia que nos levava, mas por suas estórias divertidas que ouvíamos sempre antes de dormir. Seriam delas a nossa maior falta.
As constantes retiradas dos zeros da nossa moeda era uma verdadeira tormenta aos cálculos dos mais velhos. Sai os Contos de Réis vem o Cruzeiro de 1942 e fica até 1967, em seguida o Cruzeiro Novo até 1970. Depois tiram mais zeros e volta o Cruzeiro novamente até 1986, daí tiram mais zeros e volta o Cruzeiro até 1976. Daí tiram-se mais zeros e vem o Cruzado até 1989, depois saem mais zeros, chega o Cruzado Novo até 1990, daí volta o Cruzeiro até 1993 de onde surge à conversão da moeda em URV em 1994. Chegamos ao Real, que por sua vez é o mesmo nome que havia na época do Brasil Colônia, os reales, dos reis de Portugal e Espanha, que passaram a ser réis. Neste vai e vem perdemos exatamente 15 zeros em 52 anos.
Meu pai certa vez comprou um mimeógrafo usado, por 70 ou 80 mil cruzeiros, onde imprimimos cartões, convites, poemas e jornalzinhos. Na escola vendia o meu primeiro livrinho de contos, intitulado 50 contos por 100 cruzeiros, também impresso no velho mimeógrafo.
O Sinca Chambord da família custou à economia de muitos salários e de uns contos de réis guardados pouco a pouco. O velho Sinca sempre puxado pelo guincho do extinto Automóvel Clube do Brasil. Meu exagerado pai dizia que iria costurar a placa do Sinca nas costas do seu paletó , de tanto que empurrava aquele automóvel .
A libra esterlina que meu avô me deu e outras moedas de vários países em que esteve como costureiro da antiga casa Vogue, guardo-as até hoje numa caixinha de moedas e dinheiros antigos no cofre invisível das minhas recordações.
As estórias que o dinheiro conta não tem preço que pague, porque são por natureza gratuitas, sem divisas, não sofrem de inflação, não carecem de reajustes. São trocados que não voltam mais. São apenas contos de fadas, cantos de sereias, sonhos de aflitos, contos de Midas. São como contos de réis.

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