“A Vila Madalena é uma festa”

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Com essa frase o americano Matthew Shirts sintetiza seu sentimento pelo bairro que ele mais freqüenta em São Paulo. Ele foi um dos primeiros entrevistados pelo Guia da Vila Madalena e hoje, na comemoração de dez anos, resolvemos procurá-lo novamente e saber quais são suas impressões sobre o bairro, depois de tanto tempo passado.
Matthew chegou ao Brasil como aluno de intercâmbio em Dourados (MS), em 1976. Criado na praia no sul da Califórnia, perto de San Diego, nos Estados Unidos, nos anos de 1960/70, num ambiente que não podia ser mais liberal, no auge da contracultura, como ele disse, foi um choque cultural muito grande, porque Dourados não estava exatamente na crista da onda, estava longe de Woodstock.
Ele voltou aos Estados Unidos e continuou o interesse pelo Brasil. Já na faculdade, fez outro intercâmbio, dessa vez na USP. Aí voltou de novo ao seu país e fez pós-graduação em história do Brasil, que é um treinamento para ser brasilianista, mas acabou não exercendo a profissão, porque teria que ficar por lá.
Matthew acabou vindo mesmo para o Brasil, casou, teve filhos. Convidado pelo escritor Mário Prata, foi cobrir a Copa do Mundo de 1994 e virou jornalista. Trabalhou na Folha de São Paulo, na Editora Globo e hoje é cronista no Estadão e editor na Editora Abril, mais especificamente da revista National Geographic Brasil.
Matthew tem 25 anos de Brasil e 24 deles foram ao redor e na Vila Madalena. Ainda com forte sotaque, ele nos recebeu para esta entrevista.

Pelo que você observa ao circular pela Vila Madalena e região, o que mudou em dez anos no bairro?
Eu sou do tempo dos botecos, de quando meu filho era pequenininho. Lembro de ir à Mercearia São Pedro com ele no carrinho, ele devia ter um ano de idade. Naquele tempo não tinha mesa na calçada, não tinha bar. Isso foi exatamente em 1987/88. Aí a Vila, com seu charme e lugarzinhos, começou a ser conhecida. Seu aspecto contracultural começou a ser procurado e dez anos atrás estava começando esse processo de virar um ponto badalado, hoje isso já está consolidado. Quando se fala em Vila Madalena, todo mundo sabe do que se trata. Virou uma coisa com trânsito, um bairro muito movimentado. Mas eu ainda acho que conseguiu crescer com charme, apesar de alguns estabelecimentos, a meu ver, grandes demais, que se impõem demais, que param demais as ruas. Fora isso a Vila ainda é identificada com um lazer que gira em torno de conversa, de livros, de cultura de alguma forma. Lazer e cultura andam juntos na Vila Madalena.

Em quais lugares você já morou no bairro?
Na verdade, eu nunca morei na Vila (risos). Sempre morei perto dela: na Borges de Barros, na Simão Álvares, na Mateus Grou, morei muitos anos na rua Simpatia, que é Jardim das Bandeiras, e atualmente moro perto da rua Ásia.

Então você gosta da região mesmo?
Eu adoro a região, não saio daqui. Eu sinto que é um pedaço de São Paulo que é meu lugar, que é onde eu gosto de estar. Por exemplo, eu não sou mais boêmio como eu já fui, não tenho mais idade para isso (risos). Antigamente eu era bem boêmio, ia todas as noites à Vila Madalena. Hoje eu gosto de programas diurnos, como ir à feira, na Mourato Coelho, depois passo na Livraria da Vila, depois vou à FNAC, vou fazer compras no Pão de Açúcar, de vez em quando vou à Mercearia São Pedro ver meus amigos ou vou ao Pasquale, que é muito amigo meu. Gosto de sair na Pérola Negra, a escola de samba do bairro. Eu conheço muita gente, sou do bairro, me sinto do bairro, sou orgulhoso de ser do bairro, gosto muito dos meus amigos. Ou seja, a Vila Madalena é o meu pedaço… (risos)

Em uma resposta você acabou com dez perguntas que eu tinha para te fazer… (risos). E o que piorou na Vila nesse tempo?
A Vila cresceu, virou outra coisa. Antigamente ela era só da gente, era muito pequena, com alguns poucos pontos em que quase todo mundo se conhecia. Isso não existe mais. Até certo ponto a velha guarda, como eu, ainda se conhece, mas virou um lugar muito popular, com muito trânsito, com problemas de segurança que não tinha e eu tenho filhos hoje, um com 22 e outra com 16, que freqüentam a Vila e eu fico preocupado, mas graças a Deus – ele bate na madeira – nunca tiveram maiores problemas.

Seu filho já ia à Vila e sua filha também freqüenta o bairro?
Minha filha freqüenta um pedaço que ela chama de Calçada da Fama, que fica na Rua Wizard, entre a Fradique Coutinho e a Mourato Coelho. Tem alguns botecos, um snooker, mas eu nunca fui, só sei que existe.

Quem são os amigos que você só encontra por lá?
Ah, tem muitos. Como trabalho na Abril, tem muita gente que mora lá ou perto de lá, ou freqüenta. Conheço desde os donos de estabelecimentos mais antigos, como a Ana Argentina do Martín Fierro, a Cíntia e o Marcelo Jacaré do Jacaré, o Marquinhos e o Pedrinho da Mercearia, o próprio Pasquale do Restaurante Pasquale, até muitos jornalistas da Abril, do Estadão… É um lugar de que os jornalistas gostam e eu sou jornalista, por isso acabo encontrando todos eles pelo bairro. Ainda é um lugar muito nosso.

E como é o seu dia-a-dia no bairro? O que faz?
Eu ando muito a pé e isso é uma vantagem, não pego tanto trânsito, estou sempre vendo muitas coisas. Eu gosto muito de andar a pé. Moro perto, então para que pegar o carro, enfrentar trânsito, ter que procurar lugar para estacionar? Quando preciso, pego um táxi. Eu não saio de Pinheiros e da Vila Madalena basicamente, o que é uma estratégia (risos). Claro que saio, mas meu dia a dia acontece por aqui. Feira, supermercado, lojas, tudo por aqui. Ando a pé, de táxi, de ônibus, até de bicicleta de vez em quando.

Em quais lugares você mais gosta de comer, beber, passear? Enfim, onde se diverte?
Vou incluir o Pasquale na Vila, mas ele na verdade fica lá perto do metrô Sumaré (Rua Amália de Noronha, 167), só que ele escreveu o hino da Pérola Negra – ele cantarola o hino –, e onde quer que ele esteja ele é da Vila Madalena. Vou de vez em quando, eu ia sempre, na Mercearia São Pedro, no Martín Fierro, no Jacaré, na Livraria da Vila, na FNAC – esses são os lugares que eu mais frequento. Eu gosto das coisas simples da vida. Gosto do pastel da feira. No fundo, o que eu gosto mesmo é de morar numa cidade imensa como São Paulo e conhecer pessoas como se fosse uma cidade do interior. Isso para mim é muito importante, conhecer os vizinhos. Essa é uma coisa que tem em São Paulo, não só da Vila Madalena. Gosto dos grafites, das casas pintadas, das lojas bonitinhas, das calçadas com gente tomando cerveja. Esse movimento de festa.

Você falou em escola de samba?
Sim, eu tenho saído na Pérola Negra, não todos os anos, mas quase todos.

Mas você tem samba no pé?
Não, isso é pedir muito para um americano (risos). Eles me toleram por lá. Ano passado saí na velha guarda da Pérola, fui promovido pelo Pasquale. Normalmente saio na ala dos amantes do samba. De vez em quando dou uma força de última hora para reunir o povo. Até já escrevi duas crônicas sobre isso, contando que eu não acredito que a escola vai funcionar e sempre acaba funcionando.

O que é a Vila, então?
A Vila Madalena para mim é o dia-a-dia, é uma festa constante.

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