Aprendendo a perder

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Quem nunca sofreu pela perda de alguém querido? Quem nunca se desesperou, sufocado pela sensação de que nunca mais conseguiria encontrar motivos para continuar vivendo? Seja pelo afastamento ou pela morte, a dor da perda é inevitável e nem sempre fácil de superar. O isolamento ou mesmo a agitação excessiva são reações de defesa, que precisam ser amenizadas, e o período de luto é necessário para a aceitação.
Essa aceitação se torna mais fácil quando a pessoa pode compartilhar seus sentimentos falando sobre eles. Para isso, Maria Lygia Monteiro Piovan, criou o Grupo de Apoio às Perdas (GAP), que tem como objetivo oferecer espaço para que as pessoas possam compartilhar sentimentos e emoções com outras que estejam passando por situações similares. Um dos pontos positivos desse grupo é oferecer apoio espiritual, psicológico, jurídico, médico e social, incentivando o enlutado a traçar novas metas e a investir novamente em sua vida.
Marya Lygia é psicanalista, terepeuta holística com especialização em luto e formação holística pela Universidade da Paz, com sede em Brasília. Também é pós-graduada em Transdisciplinaridade pelo Instituto Catarinense de Pós-Graduação e fez especialização em Psicanálise Lacaniana, no Instituto Trianon de Psicologia.

Qual o principal objetivo do GAP?
O Grupo de Apoio às Perdas tem como objetivo criar um espaço para que as pessoas possam falar sobre a sua dor. Toda perda traz, sofrimento, angústia.. E geralmente quando alguém perde um ente querido, por exemplo, tem poucas chances de falar sobre isso. Dentro de casa as pessoas acabam se controlando para um não incomodar o outro. Fora, costumam dizer que é para tocar a vida e a pessoa acaba não liberando a emoção. Começa a ter perda profissional, dificuldades no trabalho… O GAP pretende criar um espaço para a pessoa expôr a sua emoção.

De que forma isso é trabalhado?
Trabalhamos em grupos de no máximo oito pessoas porque prefiro fazer vários grupos e ter uma qualidade melhor de atendimento. Esses grupos têm um tempo definido, a pessoa se compromete a participar de seis encontros de duas horas. Uma vez por semana ela tem tempo de elaborar, criar vínculos com o grupo que pertence. Nós trabalhamos as quatro fases da perda. Estudos provam que a pessoa passa por uma fase de negação, diz que não é com ela, que não aconteceu. A segunda fase é de desespero e revolta contra Deus, é a fase do ‘por que comigo?’. A terceira é a depressão e a última é a reconstrução. Muitas vezes a pessoa vem numa depressão total e o outro já está em outra fase. Então vamos discutir isso, como é viver cada fase dessas. E no final eles constróem um projeto de vida sem aquela pessoa que se foi.

Como você concluiu que as pessoas precisam de apoio para lidar com as perdas?
Dentro da psicologia, diz-se que o processo de luto demora dois anos. São dois anos para que a pessoa possa superar tudo se for uma perda natural. Se for suicídio, assassinato, é muito mais difícil. E existe o luto crônico, que é aquele do qual a pessoa jamais se liberta. Esse luto crônico é terrível, a pessoa perde a sua vida em função da perda, do trauma que ela viveu. E nesse caso a pessoa é encaminhada para uma terapia individual.

Qual a principal dificuldade quando se trata de superar a ausência de alguém muito importante?
É não aceitar que nós somos finitos. Lidamos com as pessoas como se elas fossem eternas. Estou falando especificamente de perda de pessoas, porque o projeto pretende, mais pra frente, atender pessoas que tiveram perdas físicas, como perda da visão… Temos que agrupar pessoas que tenham perdas semelhantes. Por exemplo, o iatista Lars Grael, deu uma entrevista na revista Veja certa vez e relatou uma coisa importante. Ele disse que estava tendo apoio de psicólogos, médicos, quando sofreu o acidente que o fez amputar uma perna, e só começou a melhorar no dia em que recebeu três visitas e as três pessoas tinham o mesmo problema que ele. Vendo essas pessoas e que era possível superar o problema, ele começou a sair da depressão. E quando a pessoa num grupo vê que há outras pessoas piores do que ela, mas que já superaram muitas fases, isso é importante.

Lidar com perdas é também lidar com o medo?
O medo, nesse momento da perda, é o medo da solidão, de não conseguir fazer a vida voltar ao normal. A gente trabalha todos os sentimentos, mas principalmente a culpa. A culpa se manifesta em todo processo de perda de uma pessoa muito próxima. ‘Por que eu não corri antes? Por que não mudei de médico? Por que em determinada hora não estava lá ou por que pedi para ele fazer tal coisa… Por que emprestei meu carro para meu filho?’. São coisas assim que no fim voltam a culpa para a pessoa. A gente vai trabalhar isso porque na verdade não existe propriamente uma culpa. A pessoa tem que entender que é ela que projeta essa culpa e não ela que provocou.

Por que é mais complicado administrar o sentimento de perda em casos de suicídio e acidente?
Porque a culpa por parte dos parentes é muito mais profunda e difícil de aceitar. A religião, por exemplo, ajuda muito. A gente não trata especificamente de religião, mas as pessoas podem falar abertamente como a religião ajudou cada uma. Tem gente que encontra conforto no catolicismo, outro na religião evangélica, outro no budismo… Quer dizer, cada um vai poder manifestar como a religião o ajudou. No caso de uma morte natural, aquele que tem religião diz que foi a vontade de Deus. No caso de suicídio ele contrariou a vontade de Deus. Então, as igrejas, às vezes, são muito rígidas nesse sentido. Procuramos fazer as pessoas falarem sobre aquilo e o próprio grupo vai dando suporte.

De que maneira a pessoa pode identificar que precisa desse tipo de tratamento?
É muito simples! Já conversei com várias pessoas que passaram por perdas e elas se interessam em buscar um amigo que está vivendo isso. Ela sente que precisa desse espaço, como alguém que precisa de um medicamento, e ela coloca toda a esperança naquilo.

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